Revitalizador da Pinacoteca do Estado, que se tornou o museu mais dinâmico de São Paulo sob sua gestão, o escultor Emanoel Araújo está de casa nova. Desde o sábado 23, o baiano acumula as funções de diretor e curador do Museu Afro Brasil, o mais novo espaço cultural da capital paulista, localizado no Pavilhão Manoel da Nóbrega, no Parque do Ibirapuera. Já familiarizado com o percurso de painéis coloridos da mostra Museu Afro Brasil – um conceito em perspectiva, montada no segundo andar do prédio de 12,8 mil metros quadrados, Araújo salta de uma obra a outra como quem conhece o acervo como a palma da mão. Diante das telas do pintor fluminense Antônio Rafael Pinto Bandeira (1863-1896), um dos maiores paisagistas do século XIX, formado pela Academia Imperial de Belas Artes, o curador lembra que o artista, descendente de escravos, viria a se matar na cidade natal de Niterói, aos 33 anos. Mais adiante, tece comentários sobre uma foto de 1865, feita em estúdio, com uma senhora branca castigando uma criança negra com a palmatória. À parte os mais de 20 anos dedicados a recuperar, preservar e ver com outros olhos as manifestações culturais do negro brasileiro em livros como A mão afro-brasileira (1988) e exposições do porte de Negro de corpo e alma (2000) e Para nunca esquecer – negras memórias/memórias de negros (2001), o profundo conhecimento das 1.100 obras expostas tem uma razão especial. O conjunto, na verdade, faz parte das mais de cinco mil peças, entre documentos, gravuras, fotos, telas, esculturas, objetos rituais e indumentária, que Araújo vem acumulando ao longo dos anos e agora coloca em comodato no prédio projetado por Oscar Niemeyer. “Não por acaso, foi aqui que esteve exposta a Guernica, de Picasso”, lembra Araújo, acenando para o caráter eminentemente político do museu.

A exposição, que abre com um painel trazendo o mais antigo mapa da África, do século XVII, busca articular arte, história e memória. Araújo chama a atenção para o eixo temático que começa com a reprodução estilizada de um navio negreiro, avança pelo sincretismo religioso, passa pela questão da ancestralidade com a representação dos orixás dos cultos afros até chegar ao “túnel da memória”
e sua grande galeria de negros notáveis. Nesse percurso podem ser vistos objetos de arte africanos, um altar com imagens de santos, fotos de Mário Cravo Neto e Pierre Verger e mais uma infinidade de objetos e documentos que só uma visita demorada pode apreender em detalhes.

Candomblé – Pelos caminhos laterais, chama a atenção, logo na entrada, a colorida parede dedicada ao baiano Rubem Valentim com gravuras, telas e os chamados objetos emblemáticos, cheios de referências ao candomblé. Na mesma linha, aparecem as poéticas esculturas feitas em palha, búzios e contas de Mestre Didi. Outro segmento de destaque é o da pintura acadêmica, com obras de Emmanuel Zamor, dos irmãos Artur e João Timóteo da Costa e de Estevão Silva, dedicado às exuberantes naturezas-mortas tropicais, “o maior de todos eles”, segundo Araújo. Ele começou a colecionar arte e toda a sorte de documentos relacionados à cultura negra em 1987. O primeiro trabalho adquirido está na mostra Anunciação, de José Teófilo de Jesus. “Adquiri no Rio; o dono do antiquário até já morreu”, lembra. Na montagem de leituras entrecruzadas, uma talha do Mestre Valentim, do século XVIII, ocupa a mesma posição de um ex-voto anônimo. “Nessa exposição importa menos o valor das obras que a idéia que a norteia”, explica Araújo, que enfatiza o lado investigativo, prospectivo e contemporâneo da instituição. “Não se trata de um museu do negro nem de um museu de gueto. Vamos tratar de questões que não são absorvidas nem pelo branco nem pelo negro, como a escravidão, por exemplo, que está na origem de todas elas”, diz o curador, que conseguiu captar R$ 4,5 milhões para abrir as portas ainda cheirando a tinta fresca.