A geração que hoje se escandaliza com as ousadias adolescentes de Britney Spears não imagina o furor que foi o aparecimento, há quase quatro décadas, da música Je t’aime (moi non plus) – Eu te amo (eu também não) –, provocação do cantor, compositor, ator e diretor de cinema francês Serge Gainsbourg, morto em 1991. Na época amante de Brigitte Bardot, Gainsbourg imprimiu no vinil um diálogo musical e amoroso visto como o primeiro orgasmo registrado em música. Aos que perguntavam se ele havia colocado um gravador debaixo da cama, respondia com ironia que, no caso, não seria uma faixa, mas um LP. A gravação, proibida em diversos países e comercializada com a tarja “proibida para menores de 21 anos”, gerou tanta polêmica que Brigitte impediu o amante de veiculá-la. Só foi liberado com seu ronronar antológico em 1986. Mas antes disso, a versão com a atriz e cantora Jane Birkin – a companhia belíssima que substituiu Brigitte na vida turbulenta do habitué da Rive Gauche parisiense – rodou o mundo em mais de seis milhões de discos vendidos. Até tornar-se um clássico dos inferninhos de strip-tease, apesar de sua qualidade poética materializada em versos surreais para uma canção de amor. A alta voltagem emocional e sarcástica das músicas de Gainsbourg poderá ser comprovada, ao vivo, por quem a defendeu melhor ao longo dos anos – a própria Jane Birkin, que se apresenta na quinta-feira 4, no Sesc Pinheiros, em São Paulo, encerrando a 28ª Mostra BR de Cinema.

Pouco conhecida no Brasil, inclusive como atriz – ela atualmente é casada com o diretor Jacques Doillon e já trabalhou com Michelangelo Antonioni, Jean-Luc Godard e Jacques Rivette, entre outros –, Jane aproveita suas apresentações para lançar o ótimo CD Rendez-vous, só com duetos. Entre eles um com Caetano Veloso em O leãozinho, que vira “liozinho” na dicção eternamente adolescente da cantora de 57 anos. Jane também divide o microfone com Bryan Ferry em In every dream home a heartache e com Manu Chao em Te souviens-tu?, contando com o sublime backing vocal de Beth Gibbons, do Portishead, na densa Strange melody, da própria Beth. Sua vinda coincide também com a publicação da biografia de Gainsbourg, Um punhado de gitanes (Barracuda, 240 págs., R$ 32), da jornalista musical inglesa Sylvie Simmons. Um dos melhores capítulos, aliás, é Iniciais: J.B., que fala de quando Jane conheceu Gainsbourg,
vinda das filmagens de Blow up depois daquele beijo (1966), de Antonioni, pelo qual ficou com a fama de ter exibido o primeiro nu frontal do cinema inglês. Apresentada ao cantor, conhecido por sua arrogância, ela o chamou de Serge Bourguignon. “Era o único nome francês que eu sabia, da culinária”, lembra a cantora e atriz em depoimento no livro. Na verdade, o sobrenome do cantor, descendente de judeus russos, era Ginsburg. E o nome, Lucien, ele o abandonou por achar que lembrava cabeleireiros.

Conhecido por suas tiradas espirituosas, Gainsbourg cunhou uma especial, para legitimar a sua aparência mal-acabada, sempre aproveitada no cinema nos papéis de vilão. “A feiúra tem mais vantagens que a beleza: ela dura.” Na tentativa de explicar a atração que exercia em mulheres belíssimas, a autora recorre não a Jane, sua mulher até 1981, mas à cantora Marianne Faithfull, amiga do cantor desde os tempos da juventude. “Acho que se pode chamá-lo de um feio bonito”, afirma a ex de Mick Jagger. Adiante, ela entra em detalhes sobre o charme discreto do francês, para quem a vida poderia ser reduzida aos cigarros Gitanes, o alcoolismo e as mulheres. Não por acaso, em sua morte o jornal francês Libération estampou a chamada de capa: bebeu cigarros demais.