Vinte e oito anos depois de liderar uma greve histórica, Lech Walesa se dedica a debater a globalização

Internacional

As lições do sindicalista ex-presidente
Vinte e oito anos depois de liderar uma greve histórica, Lech Walesa se dedica a debater a globalização

Luiza Villaméa, enviada especial à Polônia
 

 

O broche da Virgem Negra de Czestochowa, a padroeira da Polônia, continua na lapela. Aos 65 anos, Lech Walesa está instalado no segundo andar de um prédio histórico, na área mais valorizada da cidade portuária de Gdansk, no norte do país. Apenas três quilômetros separam seu amplo escritório do Estaleiro Gdansk, berço do Solidariedade, o sindicato que abriu caminho para a queda do comunismo no bloco soviético. Em 1980, depois de saltar o muro do estaleiro do qual havia sido demitido, o eletricista Walesa comandou uma greve que começou mobilizando 17 mil trabalhadores. Na seqüência, o movimento se espalhou pelo país e, duas semanas depois, terminou com um acordo que correu mundo. Pela primeira vez em um país comunista, trabalhadores conseguiram permissão para criar um sindicato independente, que chegou a reunir dez milhões de associados. De lá para cá, Walesa amargou uma temporada na prisão, ganhou um Prêmio Nobel da Paz, elegeu-se presidente da Polônia (1990-1995) e, derrotado nas eleições seguintes, se manteve como símbolo nacional.

Em seu escritório, ele lembra com orgulho o passado. “Nós nos libertamos da escravidão comunista”, disse. “Mas não estou satisfeito. Imaginava que, quando tivéssemos liberdade, a Europa teria uma solução ideal para todos e isso não aconteceu.”

À frente do Instituto Lech Walesa, que criou para garantir a continuidade das reformas implementadas durante seu governo, ele dedica-se atualmente a debater a globalização. “Como estamos sentenciados a ela, precisamos refletir sobre seu impacto”, argumenta. Na sua opinião, cabe à nova geração a tarefa de promover as mudanças necessárias para adequar a Polônia ao mundo globalizado. Embora faça questão de participar do debate, ele tem seus próprios problemas para resolver. O último deles é a acusação de ter colaborado com a polícia secreta comunista no começo dos anos 1970, sob o pseudônimo Borek. A denúncia de que teria passado informações sobre seus colegas de estaleiro foi feita em livro pelos historiadores Slawomir Cenckiewicz e Piotr Gontarczyk, com base em cópias de documentos do Ministério do Interior. Ganhou repercussão na voz do atual presidente da Polônia, Lech Kaczynski, adversário político de Walesa. “Ele liderou o Solidariedade e se tornou um ícone, mas também trabalhou para a polícia secreta”, chegou a dizer Kaczynski. Walesa preferiu responder na autobiografia Droga do prawdy (O caminho para a verdade), que acabou de lançar. Negou as acusações, mas lembrou que esteve preso em 1970 e só foi libertado após assinar papéis apresentados pela polícia. “Era um procedimento padrão”, escreveu Walesa. “Eu inclusive nem li os papéis.”

Em entrevista, ele se recusa a falar sobre a acusação, similar à feita recentemente ao romancista checo Milan Kundera. Mas não se furta a assumir sua impotência diante da falência do estaleiro que o projetou para o mundo. Como os estaleiros de duas cidades vizinhas, o de Gdansk não conseguiu se adequar às regras do jogo capitalista. Desde 2002, eles receberam cerca de 3,3 bilhões de euros em subsídios. Com a entrada da Polônia na União Européia, em 2004, precisam seguir novas normas de concorrência. Ou devolvem o dinheiro ou fecham as portas. “Eu sinto muito, mas não há o que fazer”, lamenta Walesa. Ao contrário dos velhos tempos, não há sinal de manifestação na margem esquerda do rio Vístula, onde se localiza o estaleiro. Na outra margem, Waldemar Ustarbowski duvida que o cenário se altere. Gerente de um terminal de embarque, ele trabalha há 30 anos no local e assistiu de camarote à paralisação de 1980. “Hoje, ninguém é solidário com ninguém”, diz Ustarbowski. “Cada um pensa apenas no próprio emprego.” Quanto à cidade de Gdansk, cujo estaleiro já produziu mais de mil navios, o futuro está garantido: tornouse um dos principais destinos turísticos do Leste Europeu.

 Assim como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-presidente da Polônia Lech Walesa começou sua trajetória política na vida sindical. “Lideramos grandes massas, mas ele queria nacionalizar as fábricas e eu fugia disso”, lembra Walesa. A seguir, os principais trechos da entrevista que concedeu em seu escritório, na cidade de Gdansk:

 

 

 

ISTOÉ – ISTOÉ ? Como o sr., o presidente Lula é um sindicalista que chegou ao poder. Como o sr. avalia a atuação dele?
Walesa

Lech Walesa – Ele foi presidente. Eu fui. Ambos lideramos grandes massas, mas eu precisava construir o capitalismo. Nós nos encontramos tempos atrás. Somos parecidos, mas eu fugia do comunismo. Ele queria criar um partido socialista, queria nacionalizar as fábricas. Isso era o que tínhamos na Polônia e eu queria fugir rumo à liberdade.

ISTOÉ – ISTOÉ ? Ele mudou?
Walesa

Walesa – Justamente. Eu, provavelmente, não. Fisicamente sim, mas politicamente não. Minhas idéias envolviam a liberdade, a democracia e o livre mercado. Ele, no entanto, deve ter desistido, porque no Brasil não se construiu nem o socialismo nem o comunismo. Mas gostaria de reencontrá- lo. Seria uma boa conversa. Daria para saber quem venceu.

ISTOÉ – ISTOÉ ? Como o sr. avalia o mundo hoje?
Walesa

Walesa – Se alguns anos atrás alguém tivesse dito para mim que a Polônia seria livre, que não haveria comunismo, que a Europa se transformaria em um Estado, eu não acreditaria que viveria esse tempo. Mas hoje, quando imagino quanta coisa poderia ter sido feita de maneira mais inteligente, eu não estou feliz.

ISTOÉ – ISTOÉ ? Para o sr., o que falta?
Walesa

Walesa – Imaginava que, quando tivéssemos liberdade, a Europa teria uma solução ideal para todos e as Nações Unidas seriam um parlamento global. Pensava que teríamos uma defesa comum, com cada um mantendo sua individualidade. Isso não aconteceu. Então, não estou satisfeito. Temos uma estrutura ultrapassada e uma economia à moda antiga.

ISTOÉ – ISTOÉ ? O sr. vai participar de um encontro com jovens na semana que vem. O que pretende dizer?
Walesa

Walesa – Demos ao mundo nossa contribuição. As fronteiras eram fechadas e havia a ameaça de guerra. Agora é a nova geração que precisa fazer a mudança. Eu e minha geração podemos ajudar. E tenho uma pergunta para eles: qual sistema econômico e político querem? Então, que comecem a trabalhar.

ISTOÉ – ISTOÉ ? Qual é o maior desafio do sr. hoje?
Walesa

Walesa – Que nós nos entendamos. Estamos em uma outra época. Nós tivemos uma situação parecida com a que teve Moisés. Em seu tempo, ele teve de libertar os judeus do Egito. Nós nos libertamos da escravidão comunista, da separação com o resto do mundo. Tivemos um desafio maior do que Moisés teve. E Moisés teve a ajuda de Deus. Nós precisamos improvisar. Mas precisa haver novas mudanças. Esse é o grande desafio.

ISTOÉ – ISTOÉ ? E qual a função da Fundação Lech Walesa?
Walesa

Walesa – Abri a fundação quando não fui reeleito na disputa presidencial de 1995. Tive medo de que pudessem voltar atrás com as reformas que havia feito. No final do primeiro ano, percebi que os poloneses estavam na direção certa. Depois, abriu-se a oportunidade no campo da globalização. Precisamos definir o que é necessariamente global. Existem temas que não devem ser globalizados. Eu, por exemplo, não estou disposto a globalizar minha mulher.

ISTOÉ – ISTOÉ ? Nesse contexto, como o sr. avalia a situação do Estaleiro de Gdansk?
Walesa

Walesa – É um drama. É o lugar da primeira vitória da globalização. Tudo começou lá. E não é bom que não possamos salvar o estaleiro. Mas os estaleiros estão com problemas em todo o mundo. A Polônia tem problemas adicionais. Faltam recursos para investimento. Além disso, no Estaleiro de Gdansk, onde trabalhei 20 anos, a maior parte da produção ia para a União Soviética. Durante 20 anos, 98,5% da produção foi remetida para lá. Quando a União Soviética desmoronou, nós perdemos todo o nosso mercado.

ISTOÉ – ISTOÉ ? Como o sr. se sente em relação ao estaleiro?
Walesa

Walesa – Eu sinto muito, mas não há o que fazer. É uma pena! O estaleiro vai ficar conhecido como o primeiro monumento da globalização. Aqui lutamos pela união da Europa, aqui nós mostramos métodos para a luta, mostramos que se pode vencer quando há solidariedade e surpreendemos todo o mundo. Não é bom que esse lugar seja destruído.

ISTOÉ – ISTOÉ ? Qual a opinião do sr. sobre a crise econômica global?
Walesa

Walesa – É uma provocação. Alguém começou isso e eu não consigo determinar quem foi. Como pode haver crise, se a metade do mundo pós-comunista precisa de reforma? Que crise é essa? Há algum tipo de acordo entre alguns bancos. Isso é um negócio suspeito.