Cultura

Artes visuais
Novas rotas para artistas viajantes
Cresce o trânsito de artistas brasileiros e estrangeiros em programas de residências

por Paula Alzugaray
 

 

i78442.jpgO artista viajante antecede o documentarista. Por séculos, mapeou a Terra Brasilis, registrando as pessoas, os animais, as plantas. A prática arrefeceu no final do século XIX, mas hoje ganha novo fôlego com as residências artísticas. Como nas Missões Artísticas do passado, os programas de residência hoje querem ampliar horizontes. Em um mundo atravessado por meios de comunicação, deslocamentos e migrações, o artista residente é convidado a desenvolver projetos a partir de vivências em novos territórios e a refletir sobre a cultura globalizada.

O videoartista argentino Federico Lamas, 29 anos, produziu um trabalho a partir da janela de seu apartamento na praça do Patriarca, em São Paulo. Contemplado pelo Programa Videobrasil de Residências, Lamas ficou hospedado no Edifício Lutetia, que desde 2006 já recebeu 58 artistas internacionais dentro do projeto da Residência Artística Faap. "Não tenho sede de turismo e São Paulo não tem uma Torre Eiffel para se visitar.

A Torre Eiffel aqui são as pessoas", diz. Em exercícios diários de voyeurismo sobre os personagens da cidade, ele mapeou os predicadores do centro e produziu um vídeo ficcional com imagens documentais.

Em São Paulo, Lamas conviveu com o espanhol Javier Peñafiel, 44 anos, convidado da 28ª Bienal de São Paulo, que também habitou o Lutetia durante dois meses, a convite da Fundação Bienal, parceira das residências da Faap. "Escolhi trabalhar com a agenda porque é uma coisa muito paulistana", diz Peñafiel. Sua Agenda do fim dos tempos drásticos propõe uma nova divisão do tempo semanal e foi realizada sob medida para combater o stress da vida paulistana. O trabalho consiste em um vídeo, um livro e uma "conferência dramatizada", em que a atriz Marisa Orth foi chamada para preencher as páginas em branco da agenda.

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Poéticas do deslocamento
DESLOCAÇÕES, 4 PERSPECTIVAS CONTEMPORÂNEAS PORTUGUESAS Instituto Camões, Brasília/ até 12/12

A União Européia recebe, em média, 400 mil pedidos de asilo por ano, mas é cada vez mais comum a criação de leis para dificultar a entrada de estrangeiros. Portugal é o país-membro que mais recebe imigrantes de países que não pertencem à UE. Acredita-se que existam mais de 70 mil imigrantes morando no país. Migração tornou-se um foco constante da atualidade e a arte contemporânea não está alheia a esse debate. O tema é abordado na mostra Deslocações, em que quatro fotógrafos portugueses interpretam os sentidos diversos das experiências migratórias hoje. Na videoinstalação 38 minutos de antropologia (foto), José Carlos Teixeira colhe depoimentos, em tom confessional, de imigrantes que aparecem em imagens fragmentadas, não se deixando revelar por inteiro. Mais do que observar, a exposição convida a um permanente deslocamento, para experimentar o sentir-se estrangeiro.

i78443.jpg"As residências estão diretamente relacionadas ao processo de globalização, significam ampliação de acesso à informação, disseminação, mas também podem ser uma resposta, uma espécie de resistência a este modelo, pois permitem trocas mais diretas entre os artistas", diz Marcos Moraes, coordenador da Residência Artística Faap. Fortalecer ações de intercâmbio é a meta desses programas que proliferam no Brasil.

O interesse é tão grande que São Paulo sediou esta semana o Encontro Iberoamericano de Residências Artísticas Independentes, do qual participaram 13 programas brasileiros, 11 de outros países da América Latina e três da Espanha. Entre os brasileiros, participaram o recém-lançado programa do Laboratório de Novas Mídias do MIS, e o SPA das Artes, do Recife.

Evento referencial da produção artística pernambucana, que todo ano preenche Recife com atividades e exposições, o SPA das Artes este ano criou uma Bolsa de Incentivo à Residência Artística, contemplando seis artistas com R$ 2,5 mil. Entre eles, a paulistana Maíra Vaz Valente, 27 anos, que ocupou faixas de pedestres na intervenção Movimentos para atravessar a multidão. Efêmera, a experiência durou poucas horas. Mas os resultados são levados pela artista viajante de volta para casa. "O trabalho nunca se encerra em uma só leitura", diz. Colaborou Fernanda Assef