Cultura

Teatro
Horário nobre
Atores usam sua popularidade na tevê para atrair público ao teatro com a montagem de grandes clássicos

Ivan Claudio

i78448.jpg
 

 

A maioria das peças de sucesso nos teatros do Rio de Janeiro e de São Paulo tem algo em comum: a presença de algum ator de novela. Fãs adoram ver seus ídolos de perto e, para não decepcioná-los, os astros televisivos costumavam oferecer-lhes espetáculos leves, de preferência comédias, aperitivo perfeito para o jantar que vem na seqüência do programa de fim de semana. Um grupo de atores tem, contudo, subvertido essa regra. Está fazendo sucesso nos palcos não com enredos digestivos, mas com espetáculos que se distanciam do chamado "teatrão". Wagner Moura, por exemplo, já levou mais de 30 mil pessoas ao Teatro da Faap, em São Paulo, com uma versão de três horas e meia de Hamlet, um dos textos mais célebres de William Shakespeare. Outro ator popular na tevê que está com casa lotada desde a estréia é Denise Fraga, em cartaz no teatro Renaissance com a comédia A alma boa de Setsuan, importante peça do alemão Bertolt Brecht que há anos não ganhava uma montagem no País. A eles vem se somar Thiago Lacerda, que desde a sexta-feira 28 enfrenta os diálogos nada fáceis do escritor e dramaturgo Albert Camus no drama Calígula, encenado no Teatro Paulo Autran, também em São Paulo.
i78449.jpgÀ frente da atual montagem de Calígula, o diretor Gabriel Vilella acredita que essa retomada de grandes textos da dramaturgia tem a ver com a renovação cultural. "Os nossos grandes atores estão indo embora, uma nova safra está chegando e seu interesse volta-se para os clássicos", diz. Os atores sabem da arma que têm nas mãos. "A gente precisa aproveitar essa popularidade da tevê, pegar um texto desses e dizer para as pessoas: olhem isso, tem tudo a ver com o Brasil." Mas não basta que a obra seja famosa. É preciso que o espetáculo seja também bem encenado. Desde que leu, há alguns anos, a comédia A alma boa de Setsuan, sobre uma prostituta chinesa que ganha um prêmio dos deuses por ser uma pessoa generosa, Denise Fragaviu que tinha nas mãos uma história de apelo popular: "Queria provar que Brecht é divertido, tirar o peso dele." Sua intuição não falhou: "O que eu acho mais engraçado é ver os maridos arrastados de domingo. Eles chegam com aquela cara e aos poucos vão se rendendo ao humor do espetáculo." Em cartaz desde julho, a comédia já foi vista por 31 mil pessoas.

Para conseguir essa comunicação, é necessário, naturalmente, fazer uma cirurgia no texto para torná-lo mais sedutor aos dias de hoje. Foi o que aconteceu com a montagem de Hamlet, que usou uma nova tradução, sem os preciosismos do estilo vigente na época. "As obras de Shakespeare eram muito populares na Inglaterra elisabetana, então nosso primeiro passo foi traduzir a peça inteira de forma que ela fosse inteligível para quem faz e para quem vê. Não há nenhuma razão para traduzir go por ide", diz Wagner Moura. No início, ele teve medo de macular o clássico, mas depois ficou mais seguro. "Ele escreveu a peça para ser feita, e não para ser lida. Quando pensei nisso perdi o receio. O meu Hamlet não é perfeito, é só mais um. Deveria haver muitos mais, quanto mais melhor." Previsto para encerrar a temporada paulista em dezembro, o espetáculo pára no dia 7 e volta em janeiro. Depois viaja para o Rio, onde fica em cartaz até junho.
i78450.jpgRecém-estreada, a peça de Thiago Lacerda foi convidada para abrir o Festival de Curitiba, em março do ano que vem, mas ainda está sem patrocínio. O motivo é a imagem de devassidão associada à história do imperador romano, especialmente depois do escândalo do filme pornográfico de Tinto Brass. Lacerda adianta que não vai aparecer nu no espetáculo cujos figurinos são atemporais e dispensam a toga: os atores vestem desde roupas de couro até trajes medievais. O máximo de ousadia, nesse sentido, será imitar Vênus, uma obsessão de Calígula. "É um ato mais corajoso do que simplesmente tirar a roupa e fazer uma coisa grotesca", diz o ator. Convocado pela Rede Globo para encarnar o novo galã da novela Negócio da China, desfalcada com a saída de Fabio Assunção, Lacerda não quer se ver prisioneiro desse tipo de papel: "Não tenho interesse em ficar circulando pelos mesmos caminhos. Se as pessoas forem à peça para ver Garibaldi (um de seus papéis da tevê), certamente não vão encontrá-lo."