Comportamento

Como ser madona
Por trás da fama e da fortuna de US$ 475 milhões, existe uma mulher que trabalha duro para se manter no topo do show biz

Ivan Claudio e Natália Rangel

 

i78489.jpgUma das lendas mais repetidas entre amantes da música pop diz que em 1978 uma garota do interior dos EUA chegou ao aeroporto JFK, em Nova York, com US$ 35 no bolso e duas sapatilhas de balé. Ela nunca tinha saído de sua cidade, jamais tinha andado de táxi, e muito menos viajado de avião. Seu nome era Madonna Louise Ciccone, hoje mundialmente conhecida como Madonna. Passadas três décadas, os US$ 35 que trazia no bolso foram multiplicados mais de dez milhões de vezes. É uma fortuna real de US$ 475 milhões que desmonta qualquer lenda. O próprio irmão da cantora, o decorador Christopher Ciccone, faz questão de negar esse conto de fadas da interiorana que nasceu com a estrela da sorte – a "lucky star" que ela já cantou em música. No livro A vida com minha irmã Madonna, diz que "ela chegou em Nova York com uma boa soma de dinheiro e uma infinidade de contatos". Há três meses na estrada com a sua turnê Sticky & sweet tour, Madonna desembarca no Brasil para cinco shows no Rio de Janeiro e em São Paulo a partir do domingo 14 com total controle de uma das carreiras mais bemsucedidas do show biz. Exibindo uma silhueta invejável para uma mulher de 50 anos que já deu à luz duas crianças – Lourdes Maria, 11 anos, e Rocco, 7 -, ela apresenta uma performance incendiária na qual cada detalhe é tratado com uma cuidadosa operação de marketing. É o mais bem-acabado exemplo de uma profissional que não brinca em serviço.

Sua rotina, por exemplo, é tão espartana quanto a de um atleta em época de olimpíada. Começa pela alimentação, uma rigorosa dieta orgânica que exclui os embutidos, qualquer derivado de leite, óleo, molhos e temperos. Segundo a sua personal trainer, a estrelada Tracy Anderson, que está viajando com sua cliente mais famosa, esses itens contribuem para ganhar peso, coisa impensável durante uma turnê. E tome ginástica. São duas horas de exercícios diários, seis dias na semana, numa combinação de séries aeróbicas e musculação – mas os pesos não podem superar 4,5 kg. Antes dos shows, Madonna faz apenas aquecimento e dispensa ferros. Depois de queimar as calorias necessárias para manter as medidas exigidas pelos modelitos (o figurino inclui peças de Givenchy, Roberto Cavalli e de sua nova descoberta, o americano Jeremy Scott), chega a hora da maquiagem. Capitaneada pela maquiadora Gina Brooke, que cuida do visual da "material girl" há seis anos, a mágica facial de 45 minutos inclui máscaras hidratantes, creme anti-rugas e um produto para remodelagem do rosto cujas incríveis propriedades são refletir a luz e fazer brilhar a área dos olhos – e Madonna sabe do poder de sua mirada sedutora.

CARREIRA POLÊMICA
Na trajetória de 25 anos, Madonna viveu personagens e influenciou a moda e o comportamento

i78490.jpgGina usa apenas produtos da marca Shu Uemura, objeto de desejo de toda mulher descolada, e fica de plantão no backstage para retocar a cantora a cada mudança de figurino. Tem apenas um minuto e meio para isso. A quem interessar, o batom usado por Madonna é o Rouge Unlimited BG 949. Esse cuidado com a beleza e com a forma física começou bem antes do lançamento do CD Hardy candy, cujo repertório alimenta boa parte da Sticky & sweet tour. Segundo as más línguas, isso contribuiu para a separação do cineasta britânico Guy Ritchie, que detestava, por exemplo, tomar o seu tradicional chá inglês com leite de soja. Além de se mostrar desinteressada pelo sexo, a cantora chegava ao exagero de dormir enfiada num macacão de plástico prateado depois de se lambuzar de um creme à base de óleo de cobra vendido a US$ 1,2 mil. Nada de mais. Esse lado obsessivo e centralizador sempre norteou a vida de Madonna – e não apenas em relação ao visual e à aparência.

Autor da parte gráfica dos CDs Confessions on a dance floor e Hard candy, o designer brasileiro Giovanni Bianco ficou impressionado com sua força produtiva: "Trabalho, trabalho, trabalho. Essa mulher trabalha!"

Madonna no céu de cristais
ASticky and sweet tour, oitava turnê mundial de Madonna, revisita outras facetas da cantora e traz diversas parcerias virtuais. Em She’s not me ela contracena com diversas fases de sua carreira – as suas múltiplas personagens vão sendo projetadas no telão ao longo da música. The beat goes on traz a participação do rapper Kanye West, que aparece também nos telões, reforçando a atual parceria artística com a turma do hip-hop. Em Human nature é Britney Spears quem toca com ela virtualmente. A versão roqueira do clássico pop Borderline e a polêmica Like a prayer proporcionam um dos bons momentos do espetáculo, que já foi visto em 12 países. Estima-se que essa turnê ultrapasse os US$ 250 milhões, superando a anterior, Confessions tour, que faturou US$ 194 milhões. Madonna viaja com uma equipe de 250 pessoas, os equipamentos de luz e som somam 12 toneladas e a decoração dos cenários, incrustados com cristais Swarovski, está avaliada em US$ 1,7 milhão. Um carro conversível modelo Auburn Speedster 851, de 1935, entra e sai do palco durante a música Beat goes on. Ao todo, a turnê irá a 17 países, 49 cidades e somará 54 shows.

A própria artista nunca escondeu que administra sua vida e sua carreira como se dirigisse uma empresa: "A razão de meu sucesso é, em parte, o fato de eu ser uma boa mulher de negócios, mas não acho que as pessoas precisem ficar sabendo." Seu "estilo de gestão" já virou até tema de manuais de marketing. Um dos que se inspiraram nela para vender seu peixe foi o economista e consultor australiano Colin Barrow. "não ria.

Essa ambiciosa e complexa musa do entretenimento conseguiu chegar ao topo de sua indústria e lá se manter reinventando-se continuamente. os parâmetros de seu trabalho são planejamento, disciplina pessoal e constante atenção aos detalhes", escreveu ele. E isso desde o início da carreira. Ela é a primeira filha de uma família de classe média de Detroit, a cidade das grandes montadoras. Após perder a mãe aos 5 anos, foi criada pelo pai, Silvio Ciccone, que tinha uma renda generosa como engenheiro da Chrysler. A artista sempre contou com o suporte da família. Sr. Ciccone chegou a financiar a gravação de alguns dos seus singles, entre eles o primeiro sucesso, Lucky star, de 1982. Na seqüência, ela estourou nas paradas americanas e inglesas com Holiday e ganhou o mundo com o CD Like a virgin, de 1984. Ou seja: em apenas dois anos, Madonna se alçou ao estrelato e de lá não saiu. Já vendeu mais de 280 milhões de álbuns, o que a coloca como a artista mais bem-sucedida da história.

Com tules e laçarotes no cabelo descolorido, meia arrastão rasgada, colares e brincos de pingentes em forma de crucifixo (copiados de Cindy Lauper), Madonna lançou moda já no primeiro disco. E seguiu em toda velocidade, reinventando-se a cada lançamento. Em 25 anos de carreira, ela encarnou a adolescente rebelde e sedutora, a mulher transgressora, a ativista política, a vaqueira, a lésbica, a dominatrix, a respeitável senhora inglesa, a mística e, agora, interpreta a perua boxeadora de cílios postiços e cabelos encaracolados.

"Cada personagem que Madonna cria é uma projeção dela mesma. É por isso que as suas imagens são tão poderosas", diz a sua biógrafa Lucy O’Brien, que acaba de lançar Madonna – 50 anos. Na opinião da autora, a artista sempre soube destacar em seu trabalho temas-chave do momento:

i78500.jpg"A sua men sagem de liberação sexual inspirou muitas mulheres. Não era algo novo, mas ela popularizou a mensagem feminista: seja forte, seja poderosa." Lucy lembra da polêmica do vídeo Like a prayer, em que a cantora beija um Cristo negro, como um desses momentos de provocação muito bem articulados. "Esse clipe criou uma tempestuosa controvérsia nos EUA, que têm uma longa história de escravismo e segregação racial", diz. Embora tal atitude não provoque mudanças sociais efetivas, acabam encorajando o debate: "Como tem um público gigantesco, deve ter mobilizado muita gente para votar ao manifestar seu apoio a Barack Obama e enfatizar a importância dessa eleição." O flerte democrata acontece junto com sua volta aos eua depois de oito anos em Londres. Mesmo antes do retorno a nova York, cidade que fez sua fama, contribuiu para levantar o astral pós-11 de setembro com o hino dance i love new York. ou seja: na trajetória de Madonna, nada é mera coincidência. Como não foi coincidência o rompimento de um contrato de 25 anos com a gravadora Warner e a assinatura de uma parceria inédita no meio musical com a produtora de shows Live Nation no valor de US$ 120 milhões. Essa mudança se deu no ano passado, num momento em que o setor vive a maior crise de sua história. Existe um consenso no meio artístico de que hoje a forma mais segura de ganhar dinheiro com música é fazendo grandes concertos. Como mulher de visão, Madonna percebeu isso antes de muita gente.

A obsessão da cantora por empreendimentos bem-sucedidos vem desde garota, quando seu pai costumava premiar suas notas boas na escola com outras notas: as verdinhas de dólar. Na lógica de Madonna, que é devota da cabala, tudo é trabalho. E trabalho tem de ser bem-feito e muito bem pago, definindo um perfil de mulher empreendedora. Empresário da cantora por 15 anos, o produtor Bert Padell descreve seu temperamento: "Tínhamos de mandar para ela uma cópia de todos os cheques que preenchíamos e só podíamos passá-los adiante depois que ela nos ligava e nos dava um ok."

i78491.jpgAtualmente brigado com a irmã, Christopher Ciccone conta em seu livro como ficou mal ao ter de devolver à casa de leilões Sotheby’s algumas paisagens do século XIX que havia arrematado para enfeitar uma de suas casas. Madonna suspeitava de superfaturamento na compra dos objetos de decoração. Colecionadora de arte (possui telas de Frida Kahlo, Diego Rivera, Pablo Picasso e Tamara de Limpicka), ela gosta também de investir em imóveis milionários. Ao todo, possui nove propriedades, distribuídas por Nova York, Los Angeles e Londres, seu atual foco de compras. Na capital inglesa tem uma casa de dez quartos em estilo georgiano em Marylebone (US$ 10,5 milhões), um prédio de cinco andares (US$ 2,4 milhões) onde funciona o Kaballah Hotel, outro onde fica a sede do Kaballah Center (US$ 5,4 milhões), duas casas adjacentes à de Marylebone para a criadagem (US$ 9 milhões) e o Pinchbowl Pub (US$ 3,75 milhões), localizado no chique bairro de Mayfair. Ainda na Inglaterra fica a casa de campo de Ashcombe (US$ 18 milhões), que foi do fotógrafo Cecil Beaton. Nos EUA, a cantora é dona de uma cobertura no Upper West Side de Nova York (US$ 3 milhões) e de uma mansão em Beverly Hills (US$ 12 milhões), em Los Angeles. Na separação da cantora, sacramentada na sexta-feira 21, Ritchie abriu mão de receber metade da fortuna da ex-esposa, direito que teria segundo as leis britânicas. Bem que ele gostaria de ficar com o pub: é lá que se refugiava para tomar suas cervejas sem o assédio dos paparazzi.