O empresário Carlos Alberto Guerreiro do Valle, 51 anos, é casado com Edith Maria dos Santos, 44, e padrasto de um rapaz, hoje com 21 anos. Até cinco anos atrás, os três formavam uma família acima de qualquer suspeita. Moravam em uma ampla casa na pequena Aparecida de Goiânia (GO) e se relacionavam muito bem com a vizinhança. A residência do empresário funcionava como um ponto de encontro da garotada do bairro, colegas de seu enteado. Em 15 de março de 1999, porém, a imagem de família exemplar ruiu e todos os frequentadores daquela residência passaram a viver dias de terror. A Polícia Federal descobriu que aquele endereço abrigava a maior central de produção de pornografia infantil para internet já localizada no Brasil. O empresário, que escapou do flagrante, é, ainda hoje, o brasileiro mais procurado por policiais de todo o mundo, especializados no combate à pedofilia digital. Além da PF, Carlos Alberto é caçado pela Interpol e pelo FBI. A última notícia que os policiais tiveram a respeito do empresário foi em 2000, quando ele voltou a comercializar imagens de pornografia infantil na internet a partir de um site hospedado em Portugal. Entre o material apreendido pela polícia na casa do empresário, há uma fita de vídeo que registra a seguinte mensagem gravada pelo próprio Carlos Alberto. A alto e bom som, fumando um cigarro, ele diz: “Não é fácil conquistar as crianças, é preciso ser inteligente, meticuloso e sedutor para conseguir essas imagens.”

Edith não escapou do flagrante. Foi condenada por incesto – ficou provado que ela mantinha relações sexuais com o próprio filho desde que ele tinha 11 anos – e violência sexual contra outras crianças. Até o início deste ano esteve presa na Agência Prisional de Goiás e hoje goza do benefício da liberdade condicional.

No processo judicial contra o casal fica claro que os dois não só organizavam como também participavam das sessões de orgia envolvendo diversas crianças. Nas fotos e vídeos produzidos pela dupla, e vendidos na internet, cerca de 25 meninos e meninas, de quatro a 15 anos, aparecem nus fazendo sexo entre si e, em vários momentos, com a participação do par adulto. Os depoimentos dos garotos e garotas vítimas do empresário são chocantes. Em um deles, o menino D.D., de dez anos, conta que ia até a casa do empresário para brincar com Neto, o enteado de Carlos Alberto. Nessas visitas, o empresário lhe pagava R$ 15 para que o masturbasse. Outro garoto, C.H.O, 12 anos, afirmou que várias vezes manteve relações sexuais com Edith e que nessas ocasiões Carlos Alberto lhe fazia sexo oral. Em todos os depoimentos, as crianças confirmam que as orgias eram fotografadas e filmadas.

Números alarmantes – Casos como esse raramente são flagrados, mas ocorrem com uma frequência alarmante. Segundo a Associação Brasileira de Proteção à Infância (Abrapia), diariamente 165 crianças ou adolescentes sofrem esse tipo de abuso no Brasil. Enfrentar esse problema, porém, requer mais do que ação policial, como revelou ISTOÉ na reportagem de capa da edição 1829. Segundo especialistas, a pedofilia é uma doença que deve ser tratada para ser controlada. Na pornografia infantil digital, os pedófilos são ao mesmo tempo caso de polícia e de medicina (leia reportagem à pág. 62). Isso porque eles também são vítimas de figuras como Carlos Alberto e Edith, os chamados agressores sexuais.

Esta reportagem é o resultado de projeto vencedor do 2º Concurso Tim Lopes
de Investigação Jornalística, realizado pela Andi (Agência de Notícias dos
Direitos da Infância) e pelo WCF, World Childhood Foundation, fundada por
Sua Majestade, a rainha Sílvia, da Suécia, com o apoio do Unicef , o Fundo
das Nações Unidas para a Infância, da OIT (Organização Internacional
do Trabalho), da Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) e da Abraji
(Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo)