Comportamento

Garotas briguentas
Aumenta o número de alunas que trocam socos e pontapés para demonstrar liderança e desencadeiam episódios de violência nas escolas

Rodrigo Cardoso

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No último mês, um caso de violência chocou o País. Em um ato de vandalismo, estudantes da escola estadual Amadeu Amaral, que funciona em um prédio tombado pelo patrimônio histórico, em São Paulo, trocaram socos e pontapés, arremessaram carteiras, quebraram portas e estouraram vidros. Com medo, professores e o pessoal da direção do colégio se trancaram em uma sala de aula. A minirrebelião durou 20 minutos, causou um prejuízo de R$ 180 mil aos cofres públicos e só não terminou com as dependências incendiadas graças à intervenção da Polícia Militar. Brigas e depredações são comuns neste colégio. No episódio mais recente, porém, além da fúria dos adolescentes, um fato chamou a atenção. Foi a rivalidade entre duas alunas, uma de 15 anos e outra de 18, que agravou o conflito. A mais nova sofria perseguição simplesmente por estar matriculada há pouco tempo e morar em outro bairro. No dia do quebra-quebra as duas se encararam, trocaram palavrões, saíram no tapa. E a escola quase veio abaixo. Estudantes do sexo feminino protagonizaram outra cena de violência, dias depois, em Belém (PA). Flagradas por uma emissora de tevê, elas se estapearam do lado de fora do colégio. "Ninguém se mete", dizia um dos garotos que formavam uma espécie de octógono humano ao redor das gladiadoras. Um outro estipulava as regras do combate: "Não vale chute, arranhão ou puxão de cabelo."

Brigar na escola nunca foi uma prática exclusivamente masculina. Historicamente, na arena de confronto feminino, sobravam agressões verbais, unhadas e puxões de cabelos, principalmente na disputa pela atenção dos garotos. Mas os relatos de brigas entre meninas têm aumentado. O motivo? Elas dizem que, para serem respeitadas, têm de mostrar força e liderança, como fazem os seus pares do sexo oposto. "É como se tivessem ficado mais corajosas e isso fosse reconhecido na sociedade como um valor", diz a socióloga Miriam Abramovay.

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Pesquisadora da Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana, Miriam coordenou o estudo Cotidiano das escolas: entre violências (leia quadro). Os dados mostram que cerca de 86 mil alunas – 10% das pesquisadas – agrediram fisicamente alguém na escola no último ano. A mudança de comportamento chama a atenção. "A fragilidade e a passividade perderam força entre elas. As agressoras não querem ser mais mulherzinhas", afirma Miriam. "Ser a namorada do valentão também não serve. Querem formar um grupo de meninas para se defender, ser elas por elas mesmas."

Chamados de "famílias", esses grupos se espalharam pelos pátios das instituições de ensino. A paulistana F. B., que fez parte durante um ano e meio da família "Sapeca" conta que certo dia as seis estudantes de sua turma brigaram a uma quadra do colégio contra oito garotas da família "Invejadas". F. B. tinha 14 anos na época e, como todas as amigas, vestia uma camiseta preta com o nome da família na cor rosa estampado na frente e seu apelido atrás. "A gente se desentendeu em um jogo de futebol no colégio. E na saída começou a confusão", conta ela, hoje com 16. A aluna continua: "A briga durou 15 minutos. Teve chute, soco, arranhão, gente com olho roxo. No dia seguinte, a diretora da escola conversou com a gente, mas não fomos suspensas."

Uma pesquisa da Udemo (Sindicato de Especialistas de Educação do Magistério Oficial do Estado de São Paulo) revelou que, no ano passado, 86% das escolas estaduais conviveram com algum tipo de violência. Em Belém (PA), onde recentemente uma aluna foi morta a facadas por outra dentro da sala de aula, a PM já registrou cerca de 150 ocorrências nas escolas só neste ano. "Parte das alunas vê na agressão física um modo de se afirmar dentro do grupo", diz o professor Roberto da Silva, da faculdade de educação da Universidade de São Paulo (USP).

O Amadeu Amaral, depredado em São Paulo, é um dos colégios que funcionam no regime de turno integral, das 7h às 16h. "Além da tensão didático-pedagógica, professores e escolas têm de lidar ainda mais com a sociabilidade infanto-juvenil, mas não estão preparados", diz Silva. A direção do Amadeu Amaral foi procurada por ISTOÉ, mas não quis se pronunciar. A Secretaria de Estado da Educação de São Paulo, por meio de sua assessoria, informou que 11 alunos foram transferidos, a ronda de policias foi reforçada e as aulas seguem normais depois de uma reunião entre a direção, pais e estudantes.

O diálogo como mecanismo para solução de conflitos entre alunos, porém, não deve ficar apenas a cargo das escolas. "A sociedade civil está delegando para as instituições ações que não cabem só a elas. É compromisso de todos, comecem dentro da própria casa!", afirma a professora Henriette Morato, do Instituto de Psicologia da USP e que atua em organizações sociais com a Fundação Casa, ex-Febem. A socióloga Miriam Abramovay segue o mesmo raciocínio: "Somos todos culpados e todos vítimas."

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