Ah!… A boca, claro. Em Angelina Jolie separa-se a parte do todo. O foco permanece sempre nos lábios – uma combinação indecente de fruta, mal usando as palavras da poeta Elizabeth Bishop. São ímãs que atraem mamíferos de grande porte, senhoras e senhoritas heterossexuais, e legiões sempre crescentes de adolescentes entre 11 e 19 anos. Há um desejo manifesto nesta multidão. Resolva-se o mistério destes contornos carnudos, observados desde a proximidade de três palmos de distância: são naturais. Em fotos antigas, é possível observar a promessa destas margens da boca famosa. Já eram proeminentes, enfeitando um rostinho redondo, e o conjunto herdando os mesmos contornos do pai, Jon Voight – ainda que a pele castanha seja da mãe, a atriz francesa Marcheline Bertrand.

Não é de estranhar que, com o passar dos anos, as dobras cutâneas daquele vestíbulo fantástico se transformassem em espécie de ser independente. Não há, acreditem, nenhuma ajuda adicional de colágeno na escultura daquela obra-prima. Tal boca pertence, claro, aos deuses. Já os seios, exemplares não menos desnorteantes, receberam há três anos os benefícios do silicone para o filme Lara Croft: tomb raider. Mas – infelizmente – foram logo retirados, garante a portadora. Somente um maluco como o diretor Oliver Stone poderia imaginá-la incorporando Olympias, a mãe de Alexandre, o Grande – o maior general de toda a história – em seu próximo filme Alexandre, que chega às telas americanas na quarta-feira 24 e nos cinemas brasileiros no dia 14 de janeiro. A única progenitora que poderia ser encarnada por Angelina Jolie seria outra grega famosa: Jocasta. “Quando ele me deu o roteiro, pensei: ‘Mãe? Ridículo’. Mas, depois de ler o texto, fiquei apaixonada pela personagem. Eu seria esta mulher se vivesse naqueles tempos”, disse a atriz de 29 anos, numa conversa acalentadora com ISTOÉ.

É fato notório que um mito, quando se materializa – tomando forma corpórea –, costuma decepcionar os fiéis adoradores. Há sempre um pequeno defeito, aparente ou inconspícuo, a demonstrar que a divindade, afinal, é imperfeita. Estando a três palmos do rosto de Angelina Jolie – do seu lado direito –, é possível flagrar o minúsculo detalhe que a separa do endeusamento. No centro da bochecha está cravada de modo indelével a circular cicatriz de uma pequena bolha de catapora. E mais: com certeza não  nevava em meados de setembro, em Los Angeles, local da entrevista. Fazia calor ameno. Portanto, o minúsculo floco branco agarrado aos fios de cabelos acobreados – logo acima da orelhinha magnificamente torneada – não é um cristal de gelo. Talvez fosse um fragmento do linho da fronha que recentemente acomodou aquele perfil mundialmente venerado. Não, não… trata-se do impensado: é um fragmento da epiderme craniana, uma solitária unidade de caspa. Angelina Jolie, acreditem, é de carne e osso – com predominância do primeiro elemento. É humana, graças aos deuses, e, como tal, tem deficiências, pontos fracos e, principalmente, apetites intensos. “Sei dar prazer a uma mulher. Sei o que ela deseja. Fui para a cama com muitas mulheres. Adoro mulheres, assim como gosto de homens. Tenho certeza de que me deitarei com algumas delas no futuro”, disse com um sorriso provocante, que lhe separava os lábios famosos, a estrela de O colecionador de ossos (1999), Garota interrompida (1999) e Amor sem fronteiras (2003).

Os rótulos e preconceitos perseguem esta deidade pagã. Para ela, a veneração não garante impunidade. A mais injusta das opiniões a tem como um “bimbo” – adjetivo em inglês que qualifica a mulher linda e burra. Para quem não lê a imprensa séria, alerte-se: a atriz é campeã dos fracos e oprimidos na vida real. Embaixadora da Organização das Nações Unidas para Refugiados, Angelina tem peregrinado por zonas de combate, regiões de conflito e fome, confins do mundo onde o sofrimento humano salga a terra. Foi ao Sudão há um ano e meio – antes do secretário-geral da ONU, Kofi Annan, e do secretário de Estado americano, Colin Powell. Desceu em meio a um inferno onde um milhão de habitantes tiveram de fugir de suas moradias para evitar o destino dos 100 mil mortos num genocídio étnico. No Afeganistão, onde também desceu para verificar in loco a situação, quase foi raptada por um senhor da guerra local. “As pessoas do lugar foram convidadas para uma festa. Haviam me alertado para não ir, pois os bandidos costumam pegar os passaportes de estrangeiros e sumir com eles. No meio da noite, ao verificarem que eu me recusara a comparecer à armadilha, um bando de homens armados foi ao casebre onde me escondia num canto. Uma garota que me fazia companhia os convenceu de que eu havia ido embora. Fiquei uma hora encolhida num buraco sujo e escuro, tremendo de medo”, disse a ISTOÉ.

Ativismo – Na Bósnia, no Kosovo, Camboja e outros círculos do inferno geopolítico por onde passou a embaixadora da ONU, as situações não foram muito melhores. Sua presença nestes palcos de guerra lhe valeu o qualificativo de Jane Fonda pós-moderna – em homenagem à
ex-ativista política mais famosa de Hollywood nos anos 1960-70. Trata-se, é claro, de nova injustiça. Angelina é singular. Do ponto de vista privilegiado – a três palmos de distância –, ouriçam-se outras impressões sensoriais, além da visual. Mesmo no verão californiano é possível sentir o calor de sua pele. Vem em lufadas que invadem as narinas com o aroma de madeiras preciosas – caules de plantas de especiarias orientais – e lembram florestas luxuriantes. Perfume que não se encontra nas prateleiras, algo engendrado por alquimistas e dedicado com exclusividade àquela deidade.

Angelina Jolie é uma mulher ilustrada. No sentido figurado e ao pé da letra. Na primeira acepção: fala inglês, espanhol, francês e está aprendendo cambojano, já que é cidadã daquele país depois de doar US$ 5 milhões para a caridade local e adotar o filho Maddox Chivan Thornton Jolie, três anos, enquanto fazia Amor sem fronteiras. À flor da pele, ela tem nada menos do que 15 tatuagens. “Não é verdade que tenho 24 delas”, diz. Vão desde um dragão, cruzes, algarismos romanos e uma janela nas costas até preces tibetanas. Duas grafias foram apagadas: no ombro esquerdo e no grande lábio vaginal direito, ambas com o nome Billy Bob Thornton, seu segundo marido – o primeiro é o cineasta Jonny Lee Miller. O que terá doído mais? A separação de Billy ou apagar seu nome de locais tão delicados? “Acredite, apagar o nome de Billy lá embaixo foi muito mais dolorido. Billy e eu somos bons amigos. Nossos caminhos se bifurcaram. Mas continuamos nos gostando. Eu fui a primeira pessoa a quem ele contou que seu filho havia nascido”, diz La Jolie.

Thornton, sabe-se, é uma espécie de “redneck” – o caipira americano – e não concordava com a adoção de órfãos cambojanos ou cruzadas para salvar terceiro-mundistas refugiados. Angelina resolveu se dedicar aos pobres. Que, certamente, agradecem. “Existe no mundo o que é necessário fazer – como trabalhar pelos desvalidos. E há o que é necessário para a qualidade de vida do indivíduo. Para mim, é cuidar de meu filho, viajar muito e pilotar meu avião”, diz a atriz, que é piloto e tem um aparelho com pára-quedas acoplado na fuselagem. “Se for para cair morta, prefiro cair numa cama macia”, diz Angelina, com aquele sorriso do gato de Alice no País das Maravilhas.