Como todo bom mineiro, ele gostava de tranqüilidade. Mas, por mais quieto que fosse (e era de uma quietude paquidérmica), ficava impossível que suas toneladas não fizessem o chão tremer quando ele andava. Difícil então passar despercebido. Está-se falando de cerca de 65 milhões de anos atrás, no período Cretáceo, quando o Brasil era praticamente cercado por água devido à alta temperatura (média de 30oC) que teria derretido quase todas as geleiras do planeta. A vegetação era extensa. Assim, com muita sombra, comida e água, o Titanossauro reinava absoluto na região onde atualmente está a cidade mineira de Uberaba. Com seus 12 metros de comprimento, seis metros de altura e peso de dez toneladas, ele, conhecido como Titã na literatura científica, intimidava os demais animais, mas, em vez de carne, esse ser pré-histórico devorava quilos e quilos de folhas diretamente das copas das árvores. Remontar essa história só foi possível com a descoberta feita na semana passada pelos paleontólogos Leonardo Salgado, da Universidade Nacional do Comahue, na Patagônia, e Ismar de Souza Carvalho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Num também sossegado bairro rural de Uberaba, quem diria, estavam enterrados os ossos do maior dinossauro que viveu em terras brasileiras.

A espécie foi descrita na conceituada revista americana Paleontology, que detalhou os fragmentos dos ossos encontrados. “Ele pode até ter passado dos 15 metros de comprimento”, diz Salgado. Essa leitura paleontológica, rápida e certeira cientificamente, somente se deu graças aos muitos fósseis que foram localizados: entre eles há fragmentos das patas dianteiras e traseiras e do quadril, vértebras do pescoço, do dorso e da cauda, além de costelas. Esse é o ponto alto dessa descoberta, porque geralmente os paleontólogos trabalham com dois ou três fósseis, e só. Dessa vez, no entanto, a quantidade de ossos foi tamanha que facilitou o trabalho. “O material traz tantos detalhes desse tipo de animal que estamos preparando uma réplica para apresentar ao público”, diz Salgado. Em homenagem à região em que os restos foram achados (a cidade de Uberaba), esse dino recebeu o apelido de Uberabatitan ribeiroi. Vale observar, mais precisamente, que o sítio arqueológico está na cidadezinha rural de Peirópolis e, nela, a comunidade simples “convive” com esse passado de milhões de anos – muitos e importantes estudos já foram lá realizados, projetando mundialmente o País no campo da paleontologia. Na chamada Formação Marília, por exemplo, que aflora no Sítio Paleontológico de Peirópolis, rochas calcárias e areníticas guardam muitos segredos e a região foi o berço no Brasil de vertebrados do período Cretáceo Superior com seus fósseis de peixes, sapos, lagartos, tartarugas, crocodilos e, claro, dinossauros.

Para se descobrir a idade correta dos ossos encontrados, os paleontólogos fizeram análises laboratoriais com fragmentos das camadas de rochas da Formação Marília. O resultado evidenciou uma composição sedimentar, resultante da junção dos grãos de areia através de um cimento natural, tipo de rocha gerada há 65 milhões de anos. Segundo os pesquisadores, os ossos estavam incrustados, dificultando as escavações – basta um descuido e se danifica o material que se quer estudar. Após comprovarem a datação dos sedimentos e ossadas, os especialistas puderam então retratar um pouco daquela região muito antiga. Naquele período nasciam nela as primeiras flores, como rosas e magnólias. A vegetação, que saciava o Uberabatitan, era quase totalmente concentrada em grandes árvores, com copa volumosa e úmida. A condição de vida fazia-se tão favorável ao gigante dinossauro que esse animal chegava a viver até 100 anos. Os cientistas já conseguiram precisar, também, que o nosso Titanossauro surgiu na África e na Índia, chegando ao Brasil através do cruzamento com outro dinossauro, o Argentinossauro, numa época em que os continentes estavam fisicamente unidos. O Titanossauro é reconhecido pela ciência como “o maior dos maiores” da espécie dos dinossauros e seus ovos chegavam a ter 12 centímetros de diâmetro, dimensão aproximada dos ovos das atuais avestruzes. Outra característica citada pelos paleontólogos é a relação desse animal com a sua cria, marcada pelo intenso cuidado para que ela não fosse atacada por predadores. Caso acontecesse o ataque, por mais que o gigante tentasse impedir, ele perdia a luta. Curiosamente, o seu robusto tamanho só atrapalhava porque as toneladas dificultavam-lhe os movimentos ágeis. O Uberabatitan preferia a paz à guerra.


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