Parceiros em alguns dos filmes mais bem-sucedidos de Hollywood, o diretor Robert Zemeckis e o ator Tom Hanks mantêm uma relação profissional das mais insólitas. Valendo-se da computação gráfica, Zemeckis usou e abusou da imagem de Hanks em Forrest Gump – o contador de histórias, de 1994, para fazer com que seu personagem contracenasse com figuras históricas como o ex-beatle John Lennon e o presidente John Kennedy. Em Náufrago, de 2000, o abuso foi físico, já que o ator foi obrigado a engordar e a emagrecer, deixar crescer a barba e o cabelo ou raspá-los de acordo com o cronograma das filmagens. Disposto a qualquer experiência, em O expresso polar (The polar express, Estados Unidos, 2004), cartaz nacional na sexta-feira 26, Hanks teve o corpo – e a atuação – digitalmente duplicada. Ou melhor, quintuplicada.

A história é simples. Um garoto de oito anos, às vésperas de perder a mais cara fantasia infantil, é apanhado na véspera do Natal por um misterioso trem à caminho do Pólo Norte, residência oficial de Papai Noel. No filme, Tom Hanks “atua” como o menino, o pai deste, o condutor do trem, um mendigo e, é claro, o próprio bom velhinho. O presente de Natal da Warner para este ano custou a bagatela de US$ 150 milhões. Mas, segundo Zemeckis, significou uma economia de quase um bilhão de verdinhas, já que possibilitou tomadas impossíveis e aperfeiçoou uma tecnologia que, segundo ele, “revolucionará o cinema”. A idéia do filme partiu de Hanks, detentor dos direitos de O expresso polar, livreto de 32 páginas lançado em 1985, escrito e ilustrado por Chris Van Allsburg, mesmo autor de Jumanji, levado às telas em 1995 com Robin Williams. O ator, pai de quatro filhos, entregou o projeto ao diretor, pai de um menino, que também ficou apaixonado pela metáfora sobre a aventura da vida, contida na história. “Não importa para onde vai o trem. O que importa é decidir embarcar”, diz o condutor.

Zemeckis resolveu recriar o clima fantasioso dos óleos de Allsburg através da computação gráfica desenvolvida por Ken Ralston, supervisor sênior de efeitos visuais da Sony Pictures Imageworks. A captação de movimentos, rebatizada por Zemeckis de “performance capture” (captação de atuação), não é uma novidade. Gollum, por exemplo, o asqueroso personagem da trilogia O Senhor dos Anéis, foi criado a partir dos movimentos do ator Andy Serkis. No caso de Zemeckis, o avanço foi fabuloso. A novidade foi combinar cenários virtuais com atores captados em réplicas reais desses ambientes. O elenco, cujo núcleo central é composto pelos passageiros do trem, o garoto (Hanks), a garota (Nona M. Gaye), o garoto solitário (Peter Scolari) e o garoto sabe-tudo (Eddie Deezen), atuou vestindo uma roupa colante que trazia costurados mais de 60 microrrefletores de luz a serem captados por câmeras digitais. No rosto usavam mais 150.

O problema foi representar sem figurino em um set simplificado. Hanks se virou calçando sapatos diferentes para cada personagem, alterando assim o modo de se locomover e até a postura. No caso do menino, atuou em um cenário cuja escala era 160% maior. Segundo Zemeckis, o resultado da performance do ator comprova a eficácia da nova tecnologia, oferecendo opções para os atores em vez de torná-los obsoletos. Até Steven Tyler, vocalista da banda Aerosmith, entrou na dança. Assim que Zemeckis viu seu tipo, enfiou-o em uma malha que o transformou no elfo festeiro que canta Rockin’ on the top of the world – personagem, obviamente, que se tornou mais bocudo do que o originalmente previsto.

Todo esse trabalho permitiu a Zemeckis montar o filme tendo à disposição infinitos pontos de vista fornecidos por infinitas câmeras virtuais. Para impressionar ainda mais, O expresso polar também está sendo apresentado em IMAX 3D, um sistema inédito no Brasil, disponível apenas em 240 teatros espalhados em 35 países. Através de óculos especiais, a platéia assiste ao filme projetado em uma tela prateada com uma altura equivalente a um prédio de oito andares, tendo como moldura 14 mil watts de som digital surround emitido por 44 alto-falantes. É muita coisa. De pouco adianta argumentar que o resultado lembra um pouco Final fantasy, desenho em computação gráfica de 2001, que mal se pagou. Diante de um trem conduzido por Hanks, Zemeckis e Papai Noel em pessoa, o que importa não é saber para onde ele vai. O negócio é embarcar.