Ao som seco de baquetas, a voz marca o tempo da música com deslavada ironia: uno, dos, tres, catorce!!! Segue-se uma saraivada de guitarra, baixo e bateria de balanço irresistível. Está no ar Vertigo, faixa de abertura de How to dismantle an atomic bomb, o aguardado 12º álbum da banda irlandesa U2, cujo lançamento mundial, previsto para a segunda-feira 22, foi furado duas semanas antes pela troca de arquivos em mp3. Com 28 anos de carreira, mais de 120 milhões de discos vendidos e energia para muita estrada, a grupo capitaneado pelo politizado Bono pode se dar ao luxo de se parodiar em espanhol, vertendo seus conhecidos coros épicos de “hello!” para “hola!”. Consegue também reunir num mesmo trabalho praticamente todos os produtores com os quais já trabalhou – Flood, Daniel Lanois, Brian Eno e Nellee Hopper, liderados por Steve Lillywhite, o homem por trás de clássicos como Boy (1980), October (1981) e War (1983). Bono justificou a escolha final: “Ele entende nossos improvisos.”

Qualquer fã do U2 sabe o que a direção de Lillywhite significa – e comemora. É a confirmação da guinada de uma das maiores bandas de rock em direção ao som heróico que fazia nos anos 1980. Sem perder, é claro, as conquistas experimentais. O retorno, esboçado em All that you can’t leave behind (2000) – visto como um recuo depois da aventura eletrônica de Pop (1997) –, vem agora sacramentado com todas as letras. A sensação de já ter ouvido certas faixas – caso de Miracle drug, sobre a Aids, em que momentos calmos e plácidos são subitamente quebrados pela guitarra afiadíssima de The Edge – não soa como repetição. É a confirmação de um estilo. Cantando como nunca, Bono arranha a garganta com emoção na balada A man and a woman, canção de amor sobre a “misteriosa distância entre o homem e a mulher”. Marcada por um violão acústico, a música é atravessada por teclados de efeito vintage, créditos para o produtor Jacknife Lee, com dois discos de eletrônica e logo arregimentado pelos irlandeses. A música não se equipara, obviamente, a One, de Achtung baby (1991). Mas é também de arrepiar.

Tocado pela perda do pai, em 2001, vitimado pelo câncer, Bono o homenageia
nas tristes One step closer – que traz agradecimentos a Noel Gallagher, do Oasis – e Sometimes you can’t make it on your own, cujo refrão diz que “Você é a
razão de eu ter a ópera em mim.” Há ainda espaço para a religião em Yahweh – Deus em hebraico – e para o pacifismo em Love and peace or else, de andamento bluesy, e em City of blinding lights. Se Bono é a alma lírica do U2, o guitarrista
The Edge é o seu espírito musical. Com suas guitarras cheias de efeitos, ele faz milagres em How to dismatle an atomic bomb, lembrando os melhores momentos do grupo. Para driblar a pirataria, uma edição especial do CD traz um DVD bônus, com 43 minutos de duração, reunindo inclusive os videoclipes de Vertigo e Sometimes you can’t make it on yor own. Só ficou faltando explicar como se desmancha uma bomba atômica.