Moradora da favela Cidade de Deus, a carioca Tatiana dos Santos Lourenço, 25 anos, tem gasto boa parte de seu tempo na tarefa de fazer balançar as bundinhas bem nascidas do eixo Rio–São Paulo. Com voz ora esganiçada, ora grave, ela grita o seu funk de pancadão irresistível e letras primárias sob o codinome Tati Quebra Barraco. São composições com títulos de grossura explícita, como Fama de putona, ou disfarçada, como Dako é bom, trazendo versos como “tô podendo pagar o motel pros homens”, “me chamaram pra orgia” e a tristemente clássica “me chama de cachorra que eu faço au au”. Sua música é assim desde que começou a trajetória de funkeira, há 11 anos. A novidade é que nunca teve tão boa acolhida da classe média como agora. Tati deu o ar de sua graça na última São Paulo Fashion Week, suas músicas bombaram na inauguração da loja carioca de Ocimar Versolato e vai aparecer como modelo na revista Vogue, fotografada por Bob Wolfenson. Ela analisa com frieza. “É assim: se o funk não vai à classe média, a classe média vai ao funk. O que mais tem nos bailes dos morros é playboy”, informa. A colunista Erika Palomino chegou a sugerir que Tati seja a nova musa do verão e o Ministério da Cultura patrocinou a sua viagem para representar o Brasil num encontro feminista na Alemanha. “Feminista, eu?… Sei lá… Se eles dizem, então eu sou…”

“Eles”, aos quais Tati se refere, são os intelectuais, artistas ou socialites que nos últimos tempos se aventuram a interpretar suas músicas e atribuir-lhes um valor inusitado. “Ela é feminista intuitiva, suas letras mostram uma mulher que toma a iniciativa sexual”, filosofa o DJ Marlboro, um dos precursores do funk carioca, que na quarta-feira 17 fez o lançamento do último CD de Tati, Boladona, na Lov.e, badalada casa noturna paulistana. Difícil entender o que versos como “69, frango assado, de ladinho a gente gosta”, tem a ver com a luta pelos “direitos civis e políticos da mulher”, como o Novo Dicionário Aurélio define o feminismo. “Tati é um objeto sexual e não sujeito das mudanças”, corrige a secretária especial de Políticas para as Mulheres do governo federal, Rose Marie Muraro, militante do movimento há décadas. “O comportamento sexual foi pauta na década de 70, isso é ultrapassado.” Ela se diz perplexa com o patrocínio do Ministério da Cultura à viagem da funkeira para representar as feministas brasileiras na Alemanha.

O trabalho de Tati é marcado pelo escracho e salpicado de palavrões. Aos que a criticam por isso, ela cita outros personagens que fazem o mesmo. “Dercy Gonçalves fala um monte de palavrões e o pessoal adora ela. Quando a gente vem da favela tudo é criticado…”, rebate. Não é bem assim. Foi justamente a baixaria o ingrediente de seu funk que mais parece ter encantado os estilistas da Cavalera, uma das grifes jovens mais cobiçadas – e caras – do momento. Tati é a inspiradora de várias roupas da coleção Verão 2005, e uma das t-shirts tem na frente o seu rosto e nas costas a frase “Pau no … do mundo. Só não esqueça do meu”, com que costuma terminar suas apresentações. O músico e compositor Marcelo Yuka – um dos fundadores da banda O Rappa e atualmente integrante da banda F.U.R.T.O – defende as músicas de Tati. “Ela canta o que sente, o que vive. É fruto das dificuldades sociais.” O pesquisador e crítico musical Ricardo Cravo Albin tem opinião diferente. “Várias pérolas da nossa música foram criadas por poetas pobres oriundos do morro, como Cartola e Nelson Cavaquinho”, afirma. Apesar disso, Albin elogia uma certa dose de “atrevimento” no patrocínio do MinC à viagem de Tati, por dar espaço a uma integrante das classes marginalizadas do País.

Mil léguas distante do papo-cabeça de quem superestima o fenômeno Tati, a socialite carioca Narcisa Tamborindeguy usa sinceridade desconcertante para explicar o sucesso de músicas como Bota tudo nas coberturas do Rio e nas mansões de São Paulo. “As letras dela são engraçadas. No meio da noite, o pessoal tá chapado e bolado, quer mais é se divertir.” Em seu momento top,
Tati aproveita o quanto pode a badalação. Viaja, participa de programas de tevê, frequenta os points da classe média, bebe licor Amarula e faz lipoaspiração na clínica paulistana Santé. É a fiel tradução de sua frase “Sou feia, mas tô na moda”, que virou bordão dos descolados. O que Tati não pode esquecer jamais é que toda moda passa. Ainda bem.