Mergulhado na maior encrenca política desde que Lula pisou no Planalto, o governo resolveu sair da letargia. Para reagir à paralisação do Congresso, que não vota nada importante há três meses, e incomodado por insurreições diárias na sua base, o governo mexeu as primeiras pedras para fazer outra reforma ministerial e debelar a crise que tomou conta da administração petista. Mais do que isso, a idéia é fidelizar parceiros para pavimentar a reeleição de Lula em 2006. A mexida aconteceria em janeiro, mas foi precipitada na quinta-feira 18 pela demissão do presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Carlos Lessa, que chegou ao cargo pelas mãos do líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), e vinha engrossando as críticas contra a ortodoxia da equipe econômica. O espaço aberto por Lessa deu a largada para uma dança de cadeiras nos ministérios, que será gradual. Lula nomeou para o lugar do indomável Lessa o discreto Guido Mantega, ministro do Planejamento, da sua cota pessoal. Na manhã de quinta-feira, Lula chamou ao palácio o próprio Lessa e o senador Mercadante para oficializar a decisão. “O governo deverá fazer novas mudanças, mas o PT precisa abrir espaços para os aliados e para um governo de coalizão”, disse Mercadante resumindo o espírito do presidente. Um diagnóstico que vem crescendo desde que o PMDB marcou convenção para decidir se rompe ou não com o governo, enquanto outros aliados começavam a se insurgir. Desta vez, o presidente parece estar convencido da necessidade de tratar melhor os aliados. Mas não é só. A nomeação de Mantega para o BNDES é um inteligente contraponto à receita econômica ortodoxa herdada do governo FHC e sinaliza para sutis correções de rota regidas pela preocupação com a classe média, que, abandonada, fez o partido pagar um preço alto nas urnas. A mudança, porém, foi criticada entre aliados: “Foi a vitória do Meirelles e do Palocci, para alegria do Malan”, disparou o deputado Chico Alencar (PT/RJ). Outro que também não gostou da troca foi o arquiteto Oscar Niemeyer. Ele foi signatário no documento de apoio à permanência de Lessa no BNDES. “Sua saída será sentida”, lamenta o arquiteto. Na tarde da sexta-feira 19, a esquerda carioca fez uma manifestação no centro do Rio com cerca de 300 pessoas em favor de Lessa. Na despedida, o economista teve dificuldades para caminhar e encerrou o ato saindo do local protegido da chuva pela Bandeira Nacional. Um pequeno coro ainda entoou “Lessa governador”.

Mantega assume um orçamento de  R$ 60,8 bilhões em 2005 só para investir no setor produtivo. É cinco vezes mais do que os minguados R$ 11 bilhões que o governo dispõe para aplicar em obras. Sem os bate-bocas do antecessor, o Planalto imagina que Mantega conseguirá imprimir mais eficiência ao banco, que, neste ano, só conseguirá aplicar R$ 38 bi dos R$ 47,3 bi disponíveis. Já estava acertado que Lessa sairia quando ele atacou o Banco Central, chamando a gestão de Henrique Meirelles de “pesadelo”. Faltava o substituto. Lula resolveu apressar a escolha por dois motivos. Uma frente de apoio a Lessa se esboçava em torno do vice José Alencar. Além disso, Palocci e o ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, começavam a se mexer para emplacar nomes de seu interesse. Convidado pelo presidente na terça-feira 16, Mantega aceitou logo no dia seguinte.

Incógnita – Nem mesmo Lula sabe como acabará a reforma iniciada no final de semana. Nomes dados como certos para uma pasta podem trocar de lugar ou até nem emplacar. O primeiro esboço da reforma prevê uma mexida em pelo menos oito ministérios. A vaga de Mantega seria oferecida ao não menos explosivo Ciro Gomes (PPS-CE), que comanda a Integração Nacional. Se a mudança vier, ninguém aposta um centavo na convivência pacífica dele com a equipe econômica. A vaga de Ciro na Integração Nacional seria entregue ao ministro das Comunicações, Eunício Oliveira (CE), ex-líder do PMDB. O Planalto imagina que a pasta da Integração acalmaria os rebeldes, já que o Ministério pode ser considerado um portal para a liberação de emendas e tem um dos projetos mais invejados do governo: a transposição de águas do rio São Francisco. “Lá tem verba para domar os rebeldes do PMDB. Nas Comunicações não tem nada”, avalia uma estrela petista. Antes da convenção do PMDB, suas principais lideranças foram visitadas por emissários do Planalto para a preparação de um jantar dos senadores peemedebistas com o presidente Lula, na sexta-feira 19.

A pasta das Comunicações poderia servir como prêmio de consolação para o atual ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo, que representa o mirrado PCdoB. Outra perda pode abater o PCdoB. O governo quer mandar para o banco o ministro dos Esportes, Agnelo Queiroz (DF). A camiseta de titular seria oferecida ao PP (Partido Progressista), que vem dando caneladas no governo. As mexidas previstas não param por aí e devem envolver cortes no próprio PT. O ministro das Cidades, Olívio Dutra (PT-RS), velho candidato à demissão, novamente encabeça a relação de quem pode dar adeus ao carro oficial. O ministro da Saúde, Humberto Costa (PT-PE), é tido pela cúpula petista como um ministro que deverá ceder sua vaga ao líder Aloizio Mercadante, uma aspiração do próprio senador, que vê na superestrutura do Ministério um saudável aditivo para anabolizar sua candidatura ao governo de São Paulo em 2006. Apesar dos fortes rumores, Humberto Costa não tem mudado seus planos e planeja permanecer no cargo (leia entrevista do ministro à pág. 7). A rosca desta dança de cadeiras gira novamente em torno do ministro José Dirceu e do espaço reservado para compensar o presidente da Câmara, deputado João Paulo (PT-SP). Os dois jogaram a toalha da tese da reeleição dos presidentes do Congresso. No papo com o aliado governador de Santa Catarina, Luiz Henrique (PMDB-SC), o próprio Dirceu sepultou o tema que vinha congelando o Congresso: “A reeleição acabou”, disse. O maior interessado, João Paulo, também reconheceu o fracasso da tentativa. Agora, o deputado reivindica um espaço VIP na Esplanada, conectado com Dirceu, que já retomou a coordenação política do governo. O destino de João Paulo pode ser o Ministério do Desenvolvimento Social, tocado atualmente pelo ministro Patrus Ananias (PT-MG).

Com a batuta nas mãos, Dirceu só admite a continuidade da pasta da Articulação Política se o chefão puser lá for um de seus amigos: o Professor Luizinho (PT-SP), líder do governo na Câmara, ou o ministro Jaques Wagner (PT-BA), atual presidente do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. Se tudo correr como imaginou o governo, a última mexida seria a demissão do ministro da Previdência, Amir Lando (PMDB-RO), substituído por um outro senador peemdebista. A vaga de Cássio Casseb, afastado do comando do Banco do Brasil, também vai entrar na dança. Cogita-se no nome do ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini, para o posto. Ninguém sabe se a reforma desenhada, que ainda será amadurecida com os aliados, será suficiente para apaziguar os ânimos e consolidar a coalizão desejada para a reeleição em 2006. Dentro e fora do PT, é cada vez maior o número de políticos cientes de que, ao contrário de 2002, Lula não ganhará sozinho a eleição. “Dois anos atrás, ganhou o mito. Daqui a dois anos, a disputa será mais dura, com a realidade. E o PT vai precisar do PMDB”, imagina um veterano parlamentar peemedebista. Lula manifesta aberto interesse pela união. Segunda-feira 15, em Maceió, ele aproveitou um intervalo no palanque para dizer a Dirceu e Renan Calheiros, na frente do governador Ronaldo Lessa (PSB): “O nosso candidato a governador em Alagoas é o Renan. Ele é fundamental nesta questão nacional.” No vôo de volta para Brasília, a pedido do presidente, o líder do PMDB fez um balanço, Estado por Estado, das eleições em 2006. “Onde o PMDB estiver na frente, terá nosso apoio. E queremos o mesmo tratamento onde o PT estiver melhor”, resumiu Lula. O presidente do PMDB, deputado Michel Temer, publicamente um defensor do rompimento com Lula, faz contas internas concluindo que a tal coalizão exigiria um lote de seis ministérios sob o controle da sigla que preside. Pelo planejamento mais modesto do Planalto, o PMDB manteria as duas pastas que tem hoje ou, no máximo, ganharia mais uma. Lula quer testar o apetite do PMDB para continuar ao seu lado ou não. E mexer na cozinha do PT e dos aliados, agora, ajuda a definir qual o melhor cardápio para 2006.