ROBERTO CASTRO

"Não tenho mais o controle disso. Fui traído"
De Renan Calheiros para assessores, na noite de quarta-feira 20

Os parlamentares em Brasília costumam brincar que, num ambiente que respira política, até o mais humilde dos servidores percebe quando alguém perde poder e prestígio. Na terça-feira 19, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), personificou involuntariamente essa situação. No final da noite, ele não encontrou o carro oficial que deveria estar esperando-o na entrada do Congresso. O motorista se atrasara e Renan, por alguns minutos, viu-se completamente sozinho. O episódio, um tanto cômico, reflete o calvário que o presidente do Senado começou a viver nestes dias.

Apesar dos sinais de desgaste, na manhã da quarta-feira 20, Renan chegou ao Senado ainda confiante de que teria votos suficientes no Conselho de Ética para aprovar o arquivamento do processo contra ele por quebra de decoro. Terminou o dia atordoado. Seus apoios derreteram como picolé em frigideira. Ao final da noite, Renan reuniu os aliados que ainda lhe restavam e seus assessores e constatou: "Não tenho mais o controle disso. Fui traído.

É uma guinada e tanto para quem até o início da semana julgava ter sob controle o desfecho da crise. Aliados de Renan admitem que os ventos viraram contra o presidente do Senado como conseqüência dos seus próprios erros. "Renan montou uma armadilha para ele mesmo", comentou um de seus aliados.

O erro maior foi a idéia de apresentar provas contrárias para buscar enterrar a denúncia. O ônus da prova é de quem acusa. E quem acusou Renan de receber recursos da empreiteira Mendes Júnior para pagar Mônica Veloso não apresentou qualquer prova disso. Ao mostrar suas contra-provas, Renan inverteu o processo. A tarefa passou a ser atestar a veracidade dos documentos que ele próprio apresentou. Se Renan vier a ser cassado, será por conseqüência de algum papel que saiu das suas próprias gavetas.

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A falta de uma solidariedade mais explícita do governo, especialmente do presidente Lula, dá a impressão a Renan de que o Palácio do Planalto o considera rifado e trama a sua sucessão. O senador quer resistir. Não pretende renunciar ao cargo porque, sem os poderes da presidência do Senado, estará ainda mais fraco para enfrentar o processo de cassação. E não pretende renunciar ao mandato porque pela lei, com o processo aberto no Conselho de Ética, ficaria oito anos sem poder ocupar cargo público. Renan usará os meios de que dispõe para essa briga – e ela será longa.

No Conselho de Ética, o processo dura 60 dias, prorrogáveis por mais 60. Se os senadores concluírem que houve quebra de decoro, ele segue para a Comissão de Constituição e Justiça. Aprovado, o pedido de cassação vai a voto em sessão secreta no plenário. Para cassar serão necessários 49 dos 81 votos. Contados todos os prazos, portanto, a questão levará pelo menos três meses para ser legalmente resolvida, mas pode ser esticada por outros três com facilidade.

Se a esperança de encerrar o caso no Conselho de Ética ficou mais distante, o presidente do Senado pode ganhar a causa no plenário – ou pela omissão de alguns, que não dariam quórum para sua cassação, ou pela expectativa de que tão longo tempo até o voto final arrefeça o impacto das denúncias. Assim, não deixa de ser irônico que há 16 anos, depois que Renan denunciou a corrupção no governo Collor, o então presidente respondeu usando uma camiseta onde se lia: "O tempo é o senhor da razão."


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