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Direito de ir e vir Saída de Fidel foi comemorada nas ruas e Obama, agora, deve ampliar liberdade para viagens de cubanos residentes

Foi com um breve anúncio na televisão, em meio a notícias sobre clima e esporte, que o governo cubano divulgou no início do mês a maior mudança desde que Raúl Castro substituiu o irmão, Fidel, na presidência, em 2006: a troca no comando de oito ministérios, com a exoneração de duas das figuras mais proeminentes do regime comunista. O ato foi interpretado como uma tentativa de o governo cubano se manter coeso diante do que parece ser o destino do país: a reaproximação com os Estados Unidos.

Um fato novo ocorrido no território americano flagra o processo. Os imigrantes cubanos nos Estados Unidos poderão viajar para a ilha uma vez por ano (hoje é a cada três anos) para visitar os parentes – se o presidente Barack Obama chancelar a lei aprovada pelo Congresso na terçafeira 10. Esses são apenas os mais recentes sinais de que os EUA estão descobrindo uma outra ilha.

Associações empresariais, centros universitários e organizações não governamentais americanos se debruçam na construção de cenários para o momento da transição política. "O setor de turismo quer autorização de viagens para todos os americanos e as empresas têm planos de investimentos", diz o professor cubano Jaime Suchlicki, diretor do Instituto de Estudos Cubanos e Cubano-Americanos (Iccas), da Universidade de Miami.

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Os cubanoamericanos formam uma comunidade de mais de 1,4 milhão de pessoas, a maioria residente na Flórida – separada de Cuba por apenas 150 quilômetros de mar. É lá que o Iccas mantém o Projeto de Transição em Cuba, financiado pela Agência Americana de Desenvolvimento Internacional, vinculada ao governo. "Fazemos estudos para que os cubanos possam pensar em alternativas para o futuro", diz Suchlicki.

Em Washington, o Grupo de Estudos sobre Cuba reúne empresários cubano-americanos interessados em promover a economia de mercado na terra mãe. Entre suas propostas estão a criação de um fundo empresarial e projetos de reformas microeconômicas. "Queremos oferecer opções para quando o governo cubano decidir implementar reformas", afirma Tomas Bilbao, diretor-executivo do grupo.

O americano Kirby Jones, que desde 1974 atua como consultor para empresas dos EUA interessadas em negociar com os cubanos, comemora: "As ligações e pedidos de informação estão cada vez mais frequentes." Hoje, ele trabalha principalmente com os setores agrícola e de alimentação, que, graças às exceções ao embargo, exportaram US$ 717 milhões em 2008.

Setores influentes nos EUA reclamam em tom cada vez mais alto. Em dezembro, 12 organizações empresariais de peso, entre elas a Câmara de Comércio, enviaram uma carta ao então presidente eleito, Barack Obama, pedindo o fim das restrições às viagens e a suspensão do embargo.

Em janeiro, 20 entidades ligadas à agricultura e à exportação de alimentos fizeram o mesmo. Argumentam que a melhor forma de promover a democracia é aumentar o intercâmbio humano e comercial. "O embargo transformou um tirano em mártir e ajudou a fortalecer o regime comunista", afirma Maria Medrano, diretora da Associação de Câmaras de Comércio Americanas na América Latina. Setores progressistas também estão mais ativos.

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Limpeza Raúl Castro afastou figuras identificadas com regime comunista e agradou aos EUA

O Escritório em Washington para Assuntos Latino- Americanos (Wola), uma ONG que defende a democracia e os direitos humanos, reuniu 160 pessoas, neste mês, para discutir a relação entre os dois países. "Depois do encontro, 70 voluntários foram ao Congresso para pedir mudanças", comemorou Geoff Thale, diretor da ONG. Em 2006, o governo George W. Bush traçou um plano de transição para Cuba com mais de 500 páginas, tachado de equivocado por diversos analistas. A administração atual afirma que os projetos estão sendo reavaliados, mas a política americana permanece focada na necessidade de reformas democráticas.

A pressão internacional por mudanças também é crescente. Na semana passada, no Chile, o recém-criado Conselho de Defesa Sul-Americano – que reúne os 12 países da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) para discutir estratégias de defesa – engrossou o coro dos que contestam as atuais políticas adotadas pelos EUA. Quando o país flexibilizar sua postura em relação a Cuba, a ilha estará diante de um de seus maiores desafios desde a revolução. Como aponta a cubana Uva de Aragón, diretora do Instituto de Pesquisas sobre Cuba, da Universidade Internacional da Flórida, acusar os Estados Unidos de culpados de todos os males de Cuba foi sempre conveniente para o regime. "Mais difícil que suportar o embargo será lidar com as mudanças geradas pela abertura", afirma.