i100529.jpg

Na recente entrega do Grammy, o prêmio mais importante da indústria fonográfica, a banda inglesa Radiohead era uma das atrações mais aguardadas. Como concorria ao troféu de disco do ano, de melhor canção de rock e de melhor álbum, esperava-se uma apresentação incendiária do grupo de Thom Yorke, há quase um ano na estrada com a vitoriosa turnê do CD In rainbows, disponibilizado na internet pelo preço que o cliente achasse mais justo.

Mas, ao subir ao palco, Yorke apareceu acompanhado apenas do guitarrista Jonny Greenwood. E levou uma banda marcial formada por mais de 20 percussionistas, clarinetistas, trombonistas e tubistas. O arranjo da música programada, 15 steps, ganhou assim em dissonância e estranheza, uma das características do anti-rock do Radiohead – e o resultado foi ainda mais empolgante. Desde o seu aparecimento, em 1989, e ao longo de sete álbuns nunca avaliados com menos de quatro estrelas pelos críticos que apreciam seu estilo (porque existem, claro, os que o odeiam), essa tem sido a marca e o marketing do quinteto inglês: mais do que surpreender a audiência, ele subverte as regras do jogo.

i100530.jpg

CORREÇÃO VISUAL O sistema de luz, feito de LEDs, consome menos energia. É uma das exigências da banda. Abaixo, a apresentação no Grammy

i100531.jpg

É, portanto, com o espírito aberto a reviravoltas que os fãs devem comparecer aos dois shows no Brasil – dia 20, na Praça da Apoteose, no Rio de Janeiro, e dia 22, na Chácara do Jóquei, em São Paulo. Uma dessas reviravoltas poderia ser, no limite, o próprio cancelamento do show. Não que a banda sofra de síndrome de Tim Maia. Famoso por sua agenda "verde", exagerada no quesito politicamente correto, o Radiohead já chegou a abandonar a programação de um festival de verão inglês ao saber que não haveria transporte público para o local – carros individuais poluem mais que um só veículo com muitos passageiros.

OUSADOS E CERTINHOS

i100532.jpgi100533.jpg

Nos EUA, o grupo negociou estacionamento, mas também exigiu comboios de, no mínimo, cinco pessoas. Portanto, o que esperar diante do enorme engarrafamento que, com certeza, vai se formar nas vias de acesso aos espetáculos no País? Mas só mesmo por uma ranzinzice ecológica eles manteriam o rigor na América do Sul, pois essa é a primeira vez que viajam para o continente depois de diversas tentativas.

Segundo a assessoria da gravadora EMI, da qual a banda se desligou em 2007 devido a desentendimentos sobre direitos autorais, as negociações sempre emperraram porque os patrocínios oferecidos eram de marcas de bebidas ou de cigarros. Quando esse tipo de associação foi proibido, quem esteve mais perto de fechar contrato foi o Tim Festival, no ano passado, logo no início da atual turnê. Mas aconteceram problemas de agenda e deu-se outra reviravolta no cotidiano dos músicos ingleses: um dos integrantes virou pai. E, quando isso acontece, para tudo. Em outro comportamento antirroqueiro, o Radiohead, cujos integrantes são todos muito bem casados, dá um grande valor aos temas familiares.

Quem acabou ficando com as datas disponíveis na agenda da mais cultuada banda do momento foi o empresário Luiz Carlos Niemeyer, da Planmusic, responsável pelo show dos Rolling Stones e pela recente vinda do U2 ao País. "Eles têm princípios rígidos, mas são flexíveis em outros assuntos. Acabamos conseguindo que o show se viabilizasse sem patrocínios e só com a venda de ingressos", diz Niemeyer. Associado a mais duas produtoras brasileiras, o empresário convenceu o grupo a liberar a transmissão de parte do espetáculo paulista pelo canal Multishow, o que certamente reduziu os custos. Em contrapartida, os músicos sugeriram que o preço dos ingressos não fosse exorbitante e exigiram que fosse usada a sua iluminação própria.

Trata-se de apenas um detalhe no avançado projeto de engenharia especialmente desenvolvido para as turnês do Radiohead, com vistas ao baixo consumo de energia e ao menor impacto ambiental. O desenho da luz é feito por LEDs e compõe-se de holofotes com sete fontes e uma dezena de tubos que pendem do teto. O efeito casa-se com o clima "atmosférico" das canções.

Os músicos do Radiohead encomendaram um estudo sobre o impacto ambiental de seus shows e adotaram medidas para reduzi-lo

Se o céu estiver carregado, o clima ficará perfeito. Com letras tratando das angústias da vida moderna, as músicas definitivamente não são feitas para dançar e fogem do formato da canção habitual. Elas desenvolvem- se por meio de mudanças abruptas de ritmo, uma característica que foi incorporada na cartilha musical da banda há dez anos, no lançamento do disco Ok computer, considerado um marco na história do rock – a ponto de ser chamado, justamente, de anti-rock.

De lá para cá, a banda incorporou a eletrônica, abandonou temporariamente as guitarras e flertou com o jazz e a música erudita. E, paradoxalmente, passou a vender mais CDs. Mesmo liberando o disco In rainbows na internet, vendeu 1,75 milhão de unidades e foi primeiro lugar nos EUA e na Inglaterra. Ao todo, o Radiohead coleciona três Grammy de melhor álbum não convencional, uma forma de a indústria fonográfica rotular a sua música inclassificável. Afinal, que banda fora dos padrões de mercado consegue ser tão cultuada?