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Em 1936, um garoto de 13 anos conversou com o pai em seu leito de morte. "O que você pretende fazer da vida?", perguntou o escritor Paulo de Oliveira Setubal, 44 anos, ao menino. "Quero ser engenheiro", respondeu. Vítima da tuberculose, o intelectual deu então seu último conselho: "Meu filho, engenharia é uma carreira de segunda. O Brasil é uma terra de advogados. A eles compete a direção deste país. Você deve ser advogado", argumentou o pai. Obstinado, o jovem decidiu seguir a própria vocação. O Brasil perdeu um advogado, mas ganhou um dos maiores capitalistas do século XX, o engenheiro mecânico Olavo Egydio Setubal. Na quarta-feira 27, aos 85 anos, dr. Olavo, como era chamado no Grupo Itaú, despediu-se da vida.
O empreendedor Olavo Setubal construiu um império industrial e financeiro que cresceu sem parar nas últimas décadas e hoje reúne ativos superiores a R$ 350 bilhões. Além dos bancos Itaú e Itaú BBA, deixou as empresas Duratex, Itautec e Elequeiroz. Seu primeiro negócio foi a Deca, fundada com US$ 10 mil para produzir artefatos metálicos num galpão na rua dos Amores, no bairro do Belenzinho, em São Paulo. Ele tinha 23 anos de idade e um sócio, o amigo Renato Reffinetti. "O dinheiro era das nossas famílias. Do pai de Renato e do meu sogro", contou Setubal. O grupo resultou da visão do irmão de sua mãe, Francisca, o advogado e empresário Alfredo Egydio de Souza Aranha. Doente, ele intimou o sobrinho a assumir a direção dos negócios. Primeiro, na Duratex. Depois, no Banco Federal de Crédito. O genro de Alfredo Egydio, Eudoro Villela, seria o companheiro ideal para Setubal formar um grande conglomerado nacional, argumentou o tio. "Juntos, vocês terão uma grande empresa. Mas, se seguirem caminhos distintos, construirão apenas pequenas empresas", aconselhou o tio. Desta vez, o conselho foi seguido.

O tino empresarial de Olavo Setubal agigantou o grupo. Ele comandou aquisições de concorrentes e fez do Itaú o segundo maior banco privado nacional, depois do Bradesco. Sua figura alta, com voz imponente, também ganhou importância no cenário político nacional. Intelectual conservador, o industrial e banqueiro não resistiu aos convites para exercer cargos importantes na vida pública. Foi prefeito nomeado de São Paulo por indicação do governador Paulo Egydio Martins, entre 1975 e 1979. Era a época da ditadura militar, que restringia o voto direto. Tancredo Neves, que o escolheu para fundar o Partido Popular (PP) em São Paulo, o convidou anos depois para ser o ministro das Relações Exteriores, no primeiro governo civil da redemocratização do País. "Setubal participou ativamente da transição para o Estado democrático de direito, tendo grande compreensão da necessidade de abertura política", diz o senador Marco Maciel (DEM-PE).
Com a morte de Tancredo, Setubal assumiu a chancelaria sob o presidente José Sarney. Ficou menos de um ano no cargo, mas deixou sua marca: a reaproximação com a Argentina, ato que resultaria na criação do Mercosul. O sonho de ser governador de São Paulo, eleito pelo povo, o fez deixar o Itamaraty. O engenheiro que administrou a capital e tocou grandes obras, como o metrô, queria mais. Mas a candidatura não vingou e, em 1986, ele voltou-se às atividades empresariais, às quais se dedicou até a morte. Foi-se o homem, ficou o mito."Setubal foi um homem de visão, que prestou serviços e era capaz de ver muito além dos muros dos nossos bancos. E pensava no País", afirma o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. "Foi uma figura extraordinária do século XX", resume o ex-governador de São Paulo Cláudio Lembo, amigo que trabalhou com ele por 40 anos. Mesmo longe dos holofotes, Setubal manteve-se próximo do poder, dialogando com políticos de diferentes tendências.
Dr. Olavo fez dos filhos sucessores – Roberto, no Itaú, Paulo, na Duratex, Olavo Jr., na Itaú Seguros – e manteve a união com os Villela. Além do legado empresarial, deixou uma grande coleção de arte, formada em conjunto com a esposa, Daisy, e o Instituto Itaú Cultural, presidido pela sobrinha Milú Villela. "Meu querido tio Olavo", disse Milú à ISTOÉ, "entendia a cultura como ferramenta poderosa para o exercício pleno da cidadania." Também será lembrado por isso.