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DECEPÇÃO Depois de 18 anos frequentando a Igreja, Sandro Marraschi teve a rotina quebrada: foi excomungado por apostasia

O enfermeiro Sandro Marraschi, 36 anos, viveu dias de tristeza pouco antes do Natal do ano passado. Descobriu que tinha sido excomungado pela Igreja Católica Apostólica Romana, depois de 18 anos prestando serviços como músico voluntário em paróquias de São Gonçalo, na região metropolitana do Rio de Janeiro. Marraschi fora excluído por ser seguidor do padre José Dutra Baião, afastado da paróquia de Santo Antônio. Até hoje o músico não entende por que foi banido.
"Houve falta de diálogo", lembra. "Senti só decepção." O suposto delito do enfermeiro foi ter acompanhado o padre Dutra num templo, não reconhecido pelo Vaticano, batizado de Igreja Católica Apostólica Brasileira – Icab. Com a adesão, ambos incorreram em apostasia, quando se desvia do sentido da fé, uma das infrações que levam à excomunhão (conheça as outras oito no quadro).

O recurso que atingiu Marraschi e Dutra voltou a chamar a atenção da sociedade brasileira neste mês, quando o arcebispo de Olinda e Recife, dom José Cardoso Sobrinho, excomungou os dois médicos que fizeram aborto em uma menina de 9 anos estuprada pelo padrasto (leia quadro) em Pernambuco.
A mãe da garota, que aprovou o procedimento, também foi punida, mas a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) desautorizou o gesto do bispo na quinta-feira 12, alegando que a mãe agiu sob pressão dos médicos, que disseram que sua filha morreria caso a gravidez não fosse interrompida. O caso gerou uma comoção nacional e até quem é contra o aborto se revoltou.
Afinal, como uma instituição religiosa bane de seu rebanho pessoas que interromperam uma gravidez que colocava a vida da vítima em risco e não dá a mesma punição ao estuprador?

A medida, porém, vai muito além da vontade do bispo – remete aos primórdios da Igreja.
É do ano 304 o primeiro registro de pena de excomunhão para o aborto.
Na época, se dizia que "a mulher que, em adultério, tiver matado sua prole para esconder do marido o pecado" incorre em aborto e é excomungada. Um compêndio para definir casos de excomunhão foi criado no século XII. A partir daí, quando se anunciava um novo Código de Direito Canônico, eram acrescentadas as infrações. Aos excomungados restam duas opções: pedir perdão (e ser reintegrado) ou tocar a vida como um pária. Foi o que fez o enfermeiro Marraschi.
Sua rotina segue praticamente normal. Ele continua indo aos cultos da nova igreja, se dedicando à música, cantando em missas e até recebendo a eucaristia – só que, agora, não reconhecida pelo Vaticano.

O padre piauiense José Dutra Baião, também excomungado, diz que não sabe explicar por que foi expulso da hierarquia religiosa à qual pertencia. Em dezembro, cansado de ser repreendido por celebrar missas com muita música e descontração, ele pediu afastamento e aderiu à Icab.
Em seguida, a Igreja anunciou sua expulsão por apostasia.
No início, o religioso ficou triste por perder os direitos. "Gostava de poder ministrar os sacramentos", diz. Depois, estabeleceu novos rituais e celebra suas missas, que, afirma, atraem muitos fiéis.

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Tentativa de suicídio

O padrasto de 23 anos que engravidou uma menina de 9 anos em Alagoinhas (PE) tentou se matar usando fios de náilon para cortar os pulsos. O acusado, cuja identidade tem sido mantida em sigilo, estaria recebendo ameaças de morte no Presídio Desembargador Augusto Duque, em Pesqueira (PE). Ele teria se ferido na quinta-feira 5. A menina, a mãe e a irmã de 14 anos, também vítima de abusos, estão sob proteção.
Os médicos Sérgio Cabral (foto acima) e Rivaldo Albuquerque foram excomungados por terem interrompido a gestação de 16 semanas. Em Tenente Portela (RS), uma história semelhante teve desfecho diferente.
Uma garota de 11 anos estuprada pelo padrasto de 51 deu à luz um bebê com 2,8 kg e 45 cm, de cesariana, na quarta-feira 11.

Da mesma forma, os dois médicos do Recife Sérgio Cabral e Rivaldo Albuquerque, os mais novos e ruidosos casos de excomunhão no Brasil, não se deprimiram. Coordenador do hospital em que aconteceu o aborto no Recife, Sérgio Cabral está tranquilo e de volta à rotina. Para ele, "foi um sacrifício válido para salvar uma vida", a da menina. Segundo o teólogo Sérgio Couto, padre da Arquidiocese do Rio de Janeiro, a excomunhão não é uma maldição nem uma condenação eterna.
É uma maneira de dizer: "Isso que você fez foi grave".

Couto explica que "quando se comete um erro sem intenção, não há excomunhão".
E cita a menina do Recife como exemplo. Ela não foi punida porque, além de não ser consciente do aborto, é menor de 16 anos – idade mínima para ser excomungado. A Igreja facilita bastante a volta dos fiéis à comunhão: basta se arrepender e pedir perdão. "E, ainda, dá o direito ao sigilo, pois o padre não é obrigado a citar o nome do fiel ao pedir a anulação."
Pode ser que convivamos com muitos excomungados sem saber, já que, hoje, a punição não chega a abalar a rotina das pessoas.

9 INFRAÇÕES QUE EXCOMUNGAM

Aborto
Profanação da eucaristia

qualquer gesto contra a hóstia e o vinho ou mesmo blasfêmia
Violência física contra o pontífice
Consagração ilícita de um bispo sem mandato pontifical

quando um bispo consagra outros sem ter recebido autorização superior
Absolvição por um sacerdote do cúmplice do pecado da carne
quando um padre absolve seu parceiro de pecado – de corrupção ou relação íntima
Violação direta do segredo da confissão
quando um padre revela o que lhe foi confessado
Apostasia
quando se desvia do sentido da fé ou se manifesta independência em relação ao poder central da Igreja
Cisma
criação de um grupo com outras ideias em relação à fé cristã, divisão da Igreja
Heresia
doutrina ou linha de pensamento contrária ou diferente da estabelecida

Fonte: Arquidiocese do Rio de Janeiro


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