No momento em que se dá a
esperada retirada dos colonos
judeus da Faixa de Gaza, um filme
como Alila (Alila, Israel/França, 2003), do diretor israelense Amos Gitai, em cartaz em São Paulo, cresce em importância, não bastasse o seu interesse como retrato urgente de um país em eterna reconstrução. Não que a comédia dramática, passada em um bairro operário de Tel-Aviv, trate diretamente do conflito. Notícias sobre a questão palestina, com seus ataques suicidas, às vezes irrompem em cena pelo rádio, sempre desligado pela empregada filipina de um velho sobrevivente do Holocausto. Ela prefere cantar músicas de um outro mundo, numa imagem seca do alheamento da realidade. Uma recusa que define um espaço mental. E é pela demarcação de espaços – seus limites, interseções e superposições, com a natural irrupção da violência – que Alila reverbera o histórico acontecimento que agora ocupa o noticiário internacional.

Depois de ter feito um filme passado quase inteiramente numa fronteira – Kippur (2000) –, Gitai filma agora uma metáfora sobre como compartilhar um espaço.
A paisagem é a mesma retratada em Kadosh – laços sagrados (1999), o bairro
de Nehushtan. Num amontoado caótico de pequenos apartamentos vive Mali
(Hanna Laslo), uma vendedora de sapatos cujo filho desertou do serviço militar e cujo ex, Ezra (Uri Klauzner), resolveu dormir diariamente na sua janela, dentro de uma van. Ex-militar, ele agora se ocupa de pequenas empreitadas. A contragosto
do velhinho sobrevivente do extermínio nazista, Ezra está construindo no bairro
um puxadinho para a policial Ronit (Ronit Elkabetz). A engraçada mulher, por
sua vez, está sempre irritada com os gritos de prazer da independente Gabi (Yaël Abecassis), que escolheu um dos quarto-e-sala para encontros vespertinos
com um misterioso militar.

Clandestinos – Pelos corredores estreitos dos apartamentos esbarram ainda um desocupado meio louco com seu cão viralata, o amante de Mali e um grupo de pedreiros chineses, contratados por Ezra. Segundo Gitai, existem hoje no País cerca de 400 mil trabalhadores clandestinos, vindos da Ásia, África e de países do Leste Europeu. Numa cena reveladora, Ezra é interrogado numa delegacia de polícia por dar trabalho a imigrantes ilegais. “Contrate israelenses”, diz o truculento policial sob a expressão silenciosa dos orientais, uma passagem que o humanista Gitai faz ecoar à perseguição vivida por seus antepassados.

Gitai buscou no seu idioma o termo apropriado para a confusão saudável que
mostra – balangan, palavra que em hebraico significa tumulto, mas no sentido positivo. A atmosfera meio felliniana foi filmada, contudo, segundo aquele método desenvolvido por Robert Altman, no qual histórias se alternam e se retomam à maneira das corridas de bastão. Créditos para a câmera fluente do suíço Renato Berta, de títulos de Manoel de Oliveira e Jean-Luc Godard, que ao final consegue registrar uma simples chuva como se fosse um dilúvio bíblico e redentor, daqueles que lavam a alma.