Para chegar à casa de Dira Paes
é preciso ir de carro até o Clube
Marina, na Barra da Tijuca, zona
oeste do Rio de Janeiro, e, lá, pegar uma barca para a ilha dos Pescadores, onde ela mora numa bela casa cercada por um terreno de mil metros quadrados. “É um refúgio”, diz, com toda razão. O clima é de sítio com quintal e árvores que dão 11 tipos diferentes de frutos, como jaca, abacate, manga, goiaba e banana, além de flores. Há até uma cacimba – sem água. A casa de dois andares foi desenhada por ela, que, confessa, “seria engenheira se não fosse atriz”. É neste recanto que Dira, solteira, 37 anos, curte uma adversidade: tornar-se famosa após construir um respeitável currículo com 21 filmes, entre os quais Amarelo manga, Meu tio matou um cara, O casamento de Louise e Corisco e Dadá. A popularidade se deve à Solineuza, a amiga burrinha de Marinete em A diarista, da Rede Globo. “O sucesso só chega quando milhões de pessoas te assistem. E isso acontece com trabalhos na tevê”, afirma. No momento, ela brilha também como Helena, a mãe do filme 2 filhos de Francisco, sobre a trajetória da dupla romântico-sertaneja Zezé Di Camargo & Luciano. A composição de personagens tão peculiares demonstra como Dira é criteriosa nos tipos que encarna.

Solineuza, por exemplo, tem a fala esganiçada, o vício de jogar os cabelos para os lados, um gestual de mãos que traduz aflição, além da sensualidade exibida em roupas justas e decotadas. Já no filme, a atriz se transmuta ao reduzir os atributos físicos e bloquear a força de sua beleza jambo e até o sorriso largo. “Procurei zerar qualquer vínculo urbano. Helena começa com 17 anos e termina 30 anos mais velha. Queria que o público acreditasse nela em todas as fases”, explica. A repercussão do filme é boa, mas é o trabalho em A diarista que faz com que ela seja parada na rua. “Há reações engraçadas. Outro dia, uma mulher me disse, com orgulho: ‘Dizem que sou Solineuza no trabalho’”, espanta-se. Mas quando um engraçadinho tenta parecer íntimo e a chama de “póia”, como faz a Marinete do humorístico, ela corta, delicada e objetivamente: “Meu nome é Dira.”

Seu nome, na verdade, é Ecleidira. Mas como
ninguém acerta a pronúncia, ela virou Dira na
mais tenra idade. Nascida em Abaetetuba, no
Pará, descendente de índios, portugueses e
negros e com este nome incomum (inventado
pelos pais), a atriz se considera alvo de recorrente
engano. “Ser genuinamente brasileira é como ser bicho-do-mato. E é, também, como se você fosse menos importante do que quem nasceu no Sul ou em São Paulo”, diz. Se assim for, é propaganda enganosa. Dira Paes foi criada na capital, Belém, e nada tem do estereótipo. Por falar inglês fluentemente, foi convidada, aos 14 anos, para fazer um teste para o filme A floresta das esmeraldas (1985), de John Boorman. Ela acabou ganhando um papel de destaque neste primeiro trabalho. Ser artista não estava nos planos da sexta filha, de um total de oito, de dona Flor e sr. Edir. Quando decidiu seguir a carreira, ela não quis ser autodidata. Formou-se em artes cênicas pela Uni-Rio e estudou filosofia. “O artista tem muito de intuitivo, mas é bom ter conhecimento também”, conclui.

Filosofia – Ao falar do momento atual do Brasil, ela faz uma curiosa costura entre o filósofo Friedrich Nietzsche e o humorístico A diarista. “Vejo com otimismo a luz no fim do túnel. Estou contrariando Nietzsche ao dizer isso. Mas, para arrumar uma casa, é necessário enxergar exatamente onde está sujo. Vamos arrumar e fazer a faxina que o País precisa.” Dira fez campanha para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e afirma não estar decepcionada com o governo. “Precisamos é de uma reforma política urgente. E, também, ver nossa responsabilidade, porque este Congresso foi eleito por nós.” Ao final da entrevista, a atriz pede para fazer um registro. “Quero falar sobre a declaração que Lobão deu a ISTOÉ. Ele diz que ‘não pode votar em quem gosta, de verdade, de Zezé Di Camargo & Luciano’. Embora eu admire o Lobão e o considere indispensável na sociedade, acho que é uma grande prepotência criar categoria de gosto. O Brasil são vários, tem espaço para todos os gostos. O Lobão devia conhecer melhor a música sertaneja, que é linda, digna e fala ao coração da maioria dos brasileiros. E respeitá-la.”

A defesa, garante, não é por causa do filme 2 filhos de Francisco. “Procuro ser cidadã e não só artista com lugar privilegiado na sociedade”, justifica. Dentro da idéia da cidadania, Dira batalha para levar o cinema a lugares pobres e esquecidos pela indústria do entretenimento. Ela é organizadora, ao lado do produtor Emanoel Freitas, do Circuito Festcine Belém, que está em seu segundo ano de sucesso. O projeto leva filmes brasileiros a áreas distantes do Pará e inclui um aparato simples: um projetor, um telão e cadeiras de plástico. Ah, e o mais importante: “Dois pipoqueiros!”