Elas enfrentam quase três mil quilômetros
de mar agitado, ventania e água gelada até
chegar ao berçário natural onde amamentam
seus filhotes. Sobreviventes de quatro séculos
de matança, todos os anos as baleias-franca seguem as correntes marítimas numa rota que
vem desde a Antártida até o litoral catarinense. Ali, uma combinação de águas razoavelmente calmas
e quentes e encostas rochosas que protegem do frio e dos predadores forma o abrigo ideal para
mãe e filhote passarem parte do inverno e
primavera longe do frio do Pólo Sul.

Esses mamíferos gigantes, que chegam a pesar 50 toneladas e medir 18 metros, exibem sua coreografia de mergulhos e esguichos em forma de V bem perto da costa, depois da rebentação das ondas. Ao contrário da baleia jubarte, que escolheu como maternidade o alto-mar da Bahia, as baleias-franca são dóceis, curiosas e costumam se aproximar dos barcos. Por isso, se tornaram alvo fácil da caça, que no Sul começou por volta de 1740, com a inauguração da primeira estação baleeira catarinense, e terminou em 1973, quando a espécie foi considerada extinta. Por centenas de anos, a gordura desses animais serviu de combustível para os candeeiros e de argamassa para a construção de casas.

Show – Isso tudo combinado, mais o fato de as baleias-franca terem resistido aos arpões e à crueldade a ponto de formar uma família com sete mil indivíduos, é o que faz a bióloga Mônica Danielski, 24 anos, ficar de olhos mareados ao falar sobre seu trabalho como observadora científica de cetáceos (baleias, botos e golfinhos). Coordenadora de pesquisa do Instituto Baleia Franca, instalado numa pousada na praia do Rosa, perto de Garopaba, entre julho e novembro ela passa cinco horas por dia de binóculos em punho, observando o comportamento das baleias. “Não sabemos quase nada sobre elas, mas notamos que 80% das que chegam às nossas praias são mãe e filhote”, diz Mônica. De vez em quando se vêem machos e por isso se supõe que as baleias também se acasalem em águas brasileiras.

Para manter intacto o berçário e desvendar a vida desses titãs dos mares, há cinco anos foi criada em Santa Catarina uma Área de Proteção Ambiental que engloba zona litorânea, ilhas e dunas ao longo de 130 quilômetros, desde o sul da ilha de Florianópolis até o Cabo de Santa Marta, perto da cidade de Laguna. Declarada Patrimônio Natural do Estado há dez anos, a baleia-franca ainda atrai poucos visitantes ao litoral catarinense. Nos últimos dois anos, cerca de dois mil turistas assistiram ao show das baleias conhecidas pelas calosidades na cabeça, que parecem verrugas, e que levam quase três anos para ter nova cria, embora cada gestação dure cerca de um ano.

O turismo mundial de observação de baleias movimenta nove milhões de pessoas e quase US$ 1,5 bilhão ao ano. “Só a Argentina recebe 100 mil turistas, enquanto no Canadá são 400 mil e na Austrália, quase o dobro disso”, diz o portenho Enrique Litman, cuja pousada Vida Sol e Mar abriga a sede do instituto. No Brasil, a região de Abrolhos, na Bahia, recebeu cerca de dez mil observadores de baleias- jubarte, no ano passado, enquanto o Sul atraiu cerca de mil pessoas. Esse tipo de turista costuma gastar até dez vezes mais do que os visitantes de alta temporada, embora eles não tenham nenhuma garantia de avistar baleias. “Não se pode controlar a natureza, fazer o quê? Paciência”, dizia, resignado, o inglês Ken McElreavey, ao desembarcar do helicóptero depois de sobrevoar, sem sucesso, várias praias em busca da mãe e do filhote avistados dois dias antes pelos pesquisadores.

Sabe-se hoje que as baleias não se alimentam de peixes do litoral brasileiro, um dos argumentos para justificar sua matança. Sua comida preferida, o minúsculo krill, só se pode achar na Antártida. Durante metade do ano, portanto, as baleias fazem jejum. Sobrevivem apenas de sua gordura, uma camada de até 60 centímetros. “Não sabemos quanto afetamos as baleias com o despejo de esgoto, a pesca, a poluição química e a sonora. O que a ciência sabe é que elas são seres extremamente sensíveis ao impacto ambiental e ao aquecimento global”, explica Jules Soto, curador do Museu Oceanográfico da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), que possui uma das maiores coleções de mamíferos marinhos do Brasil, com 678 espécimes resgatados dos Estados do Sul. As redes de pesca comercial, a pesca artesanal e o turismo predatório são os principais fatores de violência contra esses animais. Que, afinal, escolhem o Brasil como a pátria para seus filhotes.

A jornalista viajou a Santa Catarina a convite do Instituto Baleia Franca