Caixa 2 é um sistema contábil
usado por pessoas físicas e
jurídicas para registrar recursos
não declarados na documentação
legal, a fim de sonegá-los ao Fisco. A definição do verbete pelo Dicionário Aurélio, antes restrita a empresários, contadores e economistas, ganhou as ruas do País e, junto com o “mensalão”, está na boca do povo. Nesses tempos de corrupção e CPIs e à luz da sabedoria popular, caixa 2 é tudo o que políticos e empresas faturam “por fora”, sem nenhum registro oficial. Definições à parte, um estudo sobre sonegação fiscal realizado pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) dá uma idéia do dinheiro acumulado pelo caixa 2 nas empresas brasileiras: pouco mais de R$ 1 trilhão em 2004. Essa verdadeira fortuna, segundo o IBPT, é alimentada quase que exclusivamente pelo não pagamento de tributos, que já atinge 29% das companhias instaladas no Brasil. Do total do faturamento das empresas declarado, estimado em R$ 2,6 trilhões, 39,2%, ou R$ 1,028 trilhão, estão na chamada conta “por fora”.

É dinheiro que não acaba mais. O ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel desconfia. Especialista na área de tributação, ele vê com reservas os números do IBPT e acha o estudo de credibilidade duvidosa. “Não são confiáveis. Como eles chegaram a esses valores?”, questionou. Maciel desconfia que o trabalho do instituto tenha origem no levantamento realizado pela Receita Federal durante a sua gestão, em 2000, e que teve como base os dados de 1998. Na época, foi constatado que 33% dos pagamentos empresariais só recolhiam a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira, a famosa CPMF. Portanto, cerca de um terço dos pagamentos feitos no País, em 1998, deixaram de pagar os outros impostos. A soma disso chegava a R$ 820 bilhões. Boa parte desse valor, diz Maciel, teve origem na sonegação de tributos. Mas outra parte não pode ser considerada ilegal, pois foi resultado da evasão ou renúncia fiscal ou de não pagamento de tributos garantido por liminar judicial. Em 2002, e levando em conta os dados de 2000, o porcentual caiu para 29%. “Se comparado com países emergentes, 29% de sonegação é até baixo”, sustenta o ex-secretário. Em países como os Estados Unidos, o nível de sonegação atinge 18% das companhias.

Defesa – Para mostrar que o estudo é sério, o IBPT sustenta que a pesquisa abrangeu 7,4 mil companhias de todos os portes e setores da economia brasileira. Comércio, indústria e serviços, nessa ordem, são os líderes em sonegação no País. As pequenas empresas, independentemente da área a que pertencem, são as campeãs em dar chapéu no governo – 67% delas não pagam os tributos. Isso pode ser justificado pelo baixo índice de fiscalização. “Apenas 0,22% das empresas brasileiras são fiscalizadas”, diz Gilberto Luiz do Amaral, presidente do IBPT.

Acostumado a orientar empresários envolvidos em crimes contra o sistema tributário, Marcelo Carvalho Gomes, perito e investigador de fraudes, prefere números um pouco mais modestos para quantificar o caixa 2: cerca de 30% a 40% do Produto Interno Bruto (PIB) – entre R$ 640 bilhões e R$ 720 bilhões. Ele ressalta que sonegação e corrupção são práticas disseminadas nas empresas brasileiras e também nas multinacionais. E, diferentemente do que se pensa, elas acontecem menos nas empresas públicas. “Muitas empresas, para fornecer produtos para outra, pagam propina a funcionários para facilitar o negócio”, conta ele. Há ainda as maracutaias feitas por empresários para esconder dinheiro das esposas, dos sócios e dos acionistas. “Isso só se consegue descobrir através de denúncia anônima ou perícia contábil”, lamenta o perito. Caixa 2, segundo Gomes, sofre com a ganância de funcionários inescrupulosos de offshores (instituições financeiras localizadas em paraísos fiscais), que roubam os valores protegidos pela ilegalidade da operação. Os empregados, ao verem o patrão cometer delitos, também aproveitam a chance e se apropriam de valores e bens das empresas. “Todo mês aparece um cara em meu escritório reclamando que roubaram o seu caixa 2”, diz, lembrando que, nesses casos, não é conveniente procurar a polícia.

Legislação – A sonegação fiscal só foi criminalizada em 1965, com a promulgação da Lei nº 4.729. As penas, na época do regime militar, eram brandas. Em 1990, o presidente Fernando Collor promulgou a Lei nº 8.137, considerando sonegação um crime contra a ordem tributária, impondo penas mais severas. Embora a lei permitisse – e ainda permite – a extinção da condenação nos casos de pagamento do tributo sonegado, as penas para os que não quitam os impostos devidos variam de dois a cinco anos de reclusão. O maior problema para punir sonegadores, segundo o advogado criminalista Sérgio Rosenthal, é o fato de o réu não enfrentar rejeição social. “O pagamento de impostos não reflete na melhoria dos serviços públicos para a população”, afirma o advogado. Além disso, diz Rosenthal, boa parte da sonegação no Brasil tem origem nos altos tributos. “Isso leva as empresas a criar uma contabilidade paralela para reduzir os custos tributários.” E ajuda a piorar os serviços públicos no País.