A turma do barulho está de volta. Meninas com barriguinha de fora e marmanjos com calça caindo da cintura, estudantes de várias partes do País entraram na cena da crise na semana passada. Invadiram a Esplanada dos Ministérios e mergulharam com roupa e tudo no espelho d’água do Congresso. Os slogans irreverentes, as faces pintadas e as artérias inchadas pelos gritos de guerra indicam que a juventude também quer participar. Refletindo a diversidade de opiniões e a perplexidade geradas na sociedade pelas denúncias de corrupção no governo Lula, os caras-pintadas estão divididos. Na terça-feira 16, milhares de jovens convocados pela UNE, Ubes (União Brasileira de Estudantes Secundaristas), CUT e MST encheram Brasília com gritos contra a corrupção e a política econômica, mas de apoio à permanência do presidente Lula no poder. Um dia depois, foi a vez dos radicais, aos gritos de “Fora Lula” ou “Fora todos” lançados pelo PSTU, PSol e dezenas de sindicatos e diretórios acadêmicos. O duelo promete se espalhar pelas metrópoles, disputando as atenções da sociedade e as paixões de quase 60 milhões de estudantes.

Propostas – Com o objetivo de recolher as idéias de um setor que marcou presença em todos os grandes momentos da Nação, desde a abolição da escravatura, ISTOÉ juntou quatro representantes de correntes políticas da juventude em um debate sobre “A crise e o futuro do Brasil”, na sucursal do Rio de Janeiro. Longe do calor e do barulho das manifestações, durante três horas eles desfilaram concepções ideológicas e propostas para impedir que a Nação continue sendo sacolejada por escândalos de corrupção a cada governo. Estiveram na mesa os presidentes da UNE, Gustavo Petta, da Ubes, Marcelo Gavião – ambos do PCdoB –, e da Juventude do PSDB no Rio de Janeiro, Reinaldo Gallo, além do diretor do Diretório Central dos Estudantes da UFRJ, Bernardo Lima, filiado ao PSTU.

A polêmica sobre o mandato do presidente Lula é a principal linha divisória do pensamento dos estudantes, que ganhou nitidez nas duas manifestações de Brasília. A tese defendida pela UNE não pode ser resumida como adesão incondicional ao governo. Antes de chegar ao gramado do Congresso, os manifestantes seguiram da Catedral até o Ministério da Fazenda para exigir mudanças na política econômica e deixar claro que Lula, nas palavras de Gustavo Petta, se encontra em uma grande encruzilhada: “Se ele mantiver essa moderação nas políticas sociais e na macroeconomia, diante dessa onda conservadora que quer derrubá-lo, corre o risco de agonizar até 2006, sem o apoio contagiante dos movimentos sociais que teve em todas as eleições.” Para Petta, Lula é a alternativa dos movimentos sociais para evitar a volta dos conservadores, agora ou em 2006. Para convencer os estudantes a repudiar a idéia de impeachment, Petta resume o duelo de 2006 entre Lula e um candidato da dobradinha PSDB/PFL, ridicularizados na passeata de terça-feira. O refrão mais entoado parodiava uma marcha carnavalesca: “É ou não é piada de salão / ver o neto do ACM falando em corrupção?”, referência à atuação do deputado Antônio Carlos Magalhães Neto (PFL-BA) na CPI dos Correios.

O presidente da Ubes, Marcelo Gavião, sustenta que nada pode ser menos produtivo para a sociedade do que resumir a crise a uma estripulia do PT. A juventude está indignada, mas, segundo ele, não é ingênua nem acha que cassar deputados petistas resolverá o problema, ainda mais depois que as denúncias atingiram outros partidos, como o PSDB. “O desenrolar dos fatos elevou o nível do debate, e nos conscientizou de que é preciso uma reforma política”, diz Gavião. Ele defende o financiamento público de campanhas, a fidelidade partidária e a eleição em lista fechada elaborada pelos partidos.

A defesa da reforma política para fortalecer a governabilidade, combatendo o aluguel de legendas e a falta de compromisso com os programas partidários, une os dois dirigentes ao tucano Reinaldo Gallo, 29 anos. Ele defendeu o PSDB das críticas, mas se juntou aos dirigentes da UNE e da Ubes para rechaçar o impeachment porque, segundo ele, não há condições políticas nem prova do envolvimento do presidente. Outro ponto em comum entre o tucano e os jovens do PCdoB é a simpatia pelo parlamentarismo para aumentar a governabilidade e acabar com a promiscuidade entre Congresso e Executivo. “O eleitor votaria com mais seriedade, analisaria as propostas dos partidos. Hoje, a gente vota na pessoa mais simpática ou no que tem mais dinheiro. Tem de ser o inverso”, defende, admitindo que o parlamentarismo não está em pauta. Petta concorda: “É mais sofisticado e estável porque fortalece os partidos, mas não vejo condições para discutir agora porque faz pouco tempo que a sociedade optou pelo presidencialismo (plebiscito de 1993).”

Velhos tempos – O clima amistoso entre tucanos e comunistas é quebrado por Bernardo Lima, do PSTU, um dos líderes da Coordenação de Luta dos Estudantes (Conlute), dissidência da UNE. A camiseta com os dizeres “Capitalismo é morte” e “Morte ao capitalismo” e o adesivo com o slogan “Fora todos” indica sua indisposição em buscar soluções dentro da “democracia burguesa”. O PSTU é contra Lula, quer derrubá-lo, mas não defende o impeachment por considerar que o Congresso está contaminado pela corrupção. Bernardo não é parlamentarista nem presidencialista, muito pelo contrário. Quem, então, governaria o País com a queda de Lula? A resposta do PSTU é complexa e aponta para receitas de outros tempos: o movimento de massa produzirá um novo sistema representativo para que os trabalhadores assumam o poder no Brasil.

“Os políticos que aceitaram financiamentos escusos não têm autoridade para julgar o Lula. Queremos fora Lula, fora Congresso, fora PT, PSDB, PFL, PP, todos que promoveram a bandalheira”, resume o revolucionário. “Temos de fazer mobilização de massa para derrubar o presidente e todo o Congresso.” Seria, então, o fim da democracia? “O fim dessa democracia de ricos e corruptos, que só elege quem tem dinheiro, quem tem televisão ou usa aparato estatal”, responde, sem pestanejar. Bernardo sustenta que um grande vácuo foi criado com a cooptação da UNE e da CUT pelo governo e que será necessário criar novas entidades na promoção de uma “democracia dos trabalhadores e da juventude”. O radicalismo do PSTU não empolgou todos os manifestantes de quarta-feira, apesar da empolgação dos estudantes com o slogan “Fora já, fora já daqui / o Lula, o Congresso e o FMI”. Teve até discurso da Liga Bolchevique Internacionalista. Dirigentes do PSol defenderam a convocação de um plebiscito para antecipar as eleições.

Os presidentes da UNE e da Ubes acusam os defensores do “Fora tudo” de fortalecer o “inimigo número 1” do movimento estudantil: a despolitização. Petta rechaça as acusações de que a UNE teria sido comprada pelo repasse de verbas federais, que este ano atingiu quase R$ 1,2 milhão. O dinheiro, segundo ele, saiu de emendas de parlamentares de diversos partidos, inclusive o PSDB, para programas culturais da UNE. Marcelo Gavião reforça os ataques de Petta à tese do PSTU, classificando-a como irresponsável e inconseqüente por reforçar o bombardeio ideológico que despolitiza os jovens. “A juventude é alvo de uma avalanche de mensagens de individualismo e consumismo e muitos tendem a achar que política é sinônimo de Paulo Maluf, ACM ou Delúbio Soares. Mas política é participação, debate coletivo sobre problemas coletivos. Se dissermos que todos são iguais, que estímulo os jovens terão para renovar a política?”

Radicalismo – O jovem Bernardo não se intimida com as críticas nem com as evidências de que o slogan do PSTU pode fazer do partido um instrumento da direita. A passeata de quarta-feira mostrou que o radicalismo é terreno fértil para a convivência de extremos: entre as bandeiras vermelhas pontuavam bandeiras pretas – a cor do fascismo – do Prona. Bernardo devolve à UNE e à Ubes as acusações de contribuir para a despolitização. Para ele, o “Fora todos” estimula a participação porque acolhe o sentimento de estudantes que não se sentem representados. “O que desestimula o jovem é a campanha das elites para adaptar o Lula à idéia da governabilidade, é o estelionato praticado por Lula ao se eleger com um programa e executar outro. O “Fora Lula” é posição política, não despolitização. Quando o estudante diz que são todos iguais, não está longe da realidade.”

A crise política não é o único item da agenda nacional a rachar o movimento estudantil em sua volta às ruas. A divisão deverá ganhar novos contornos com
a aproximação do referendo sobre o projeto de desarmamento, em 23 de outubro.
A UNE e a Ubes farão campanha pelo desarmamento, seguindo a tendência
da maioria dos partidos de esquerda, mas Bernardo adianta que não será esta
a posição da juventude do PSTU, hegemônica dentro da Conlute. Não só por acreditar que a proibição da venda de armas não contribuirá para o aumento da segurança pública, mas também por outra questão óbvia: a perspectiva da revolução socialista. Mais duelos à vista.