Inédita nos cinemas brasileiros,
a elogiada cineasta francesa Claire Denis pode ser finalmente conhecida longe das concorridas sessões de festivais com o seu incômodo
Desejo e obsessão (Trouble every day, França/Alemanha/Japão, 2001), em cartaz em São Paulo, título que causou mal-estar há quatro anos no Festival de Cannes ao misturar sexo e canibalismo sob a fachada de um filme de horror moderno. Achincalhado nos quatro cantos – as acusações mais suaves o chamavam, por exemplo, de “Drácula com pretensão” –, o drama sanguinolento, embalado pela música sublime do Tindersticks, não é indicado a quem quer emendar o programa com uma refeição, mesmo frugal.

Mergulhado no mesmo clima doentio de um David Cronenberg, o trabalho da francesa acompanha a viagem de um médico americano, Shane (Vincent Gallo), que aproveita a lua-de-mel em Paris para tentar um contato com um companheiro de pesquisas, Dr. Léo (Alex Descas). Anos atrás, os dois haviam participado de uma experiência com a libido humana, que resultou numa lesão cerebral dos que a ela se submeteram – o próprio Shane e a estonteante mulher de Léo, Coré (Béatrice Dalle), cujos lábios competem com os de Angelina Jolie no ranking dos mais carnudos.

Para desgraça dos fãs de Béatrice, sua personagem – e o de Shane – desenvolve uma insaciável fome de amor. Literal. O entrecho realista não é levado muito a sério pela cineasta, que o utiliza como pretexto para outras divagações. Claire prefere ser mais verossímil em relação às pulsões assassinas dos personagens. Poucas vezes a cena de um crime revela-se tão forte, dolorosa e repulsiva. O que dá a medida de como o cinema americano, no extremo oposto, naturaliza e legitima a violência ao apostar no gozo voyeurista do espectador.