Eleições são o ponto alto da expressão da cidadania. Nelas a democracia se revela de forma mais eloquente. É no processo eleitoral que um país discute e consolida suas instituições. Tudo isso é teoria da ciência política, pois a nossa política, na prática, costuma transgredir o senso comum. O Brasil é pródigo em bombardear instituições em troca de votos. E aqueles que os ganham, depois de eleitos, que tratem de administrar ruínas. O embate para o pleito de 2010 mal começou e a ameaça paira sobre nós mais uma vez, desmoralizando agora o sacrossanto sigilo fiscal. Difícil achar aquele que expresse seu apreço pela Receita Federal, cujo apetite pelos recursos dos cidadãos é bem representado pelo símbolo do leão. Mas é quase unânime a ideia de que se trata de um órgão federal que funciona, numa eficiência que nos impõe respeito (e, em alguns casos, medo). Os brasileiros demonstram essa confiança anualmente em suas declarações de bens e rendimentos. Informam ao Leão alguns de seus dados mais secretos, que muitas vezes não revelam nem ao próprio cônjuge. E, na sua imensa maioria, o fazem via internet, por acreditarem nos padrões de segurança dos programas da Receita, reconhecidos internacionalmente. Pode, no entanto, esta confiança resistir ao depoimento do chefe da instituição ao Congresso na semana passada, quando ele admitiu que seus funcionários acessaram e violaram o sigilo fiscal de um cidadão, cujos documentos secretos foram chegar à imprensa?

Desconsidere-se o caráter político dos personagens envolvidos – um dirigente da oposição no papel de vítima e, talvez, um indicado do partido do governo atuando como vilão. O cenário eleitoral apenas dá publicidade ao que ocorre cotidianamente e que, em períodos como este, vira munição para ataques ao adversário. Quando o último voto for contado, o que nos restará é a insegurança, a desconfiança. Será a Receita assim tão eficiente? Terá o Leão suficiente zelo com informações que deveriam servir única e exclusivamente para finalidades fiscais? Tanto quanto aplacar o apetite arrecadador dos governos, o órgão tem outros objetivos mais nobres, como auxiliar na distribuição da renda obtida e contribuir na verificação da lisura das transações, denunciando enriquecimentos ilícitos e levantando suspeitas sobre contraventores e expoentes do crime organizado. O mais famoso dos gângsteres americanos do início do século XX, Al Capone não foi parar atrás das grades pela violência de seus métodos, mas por sonegar impostos ao Leão dos EUA. Quando a própria Receita é suspeita, não pode agir nem exigir. Por isso, explicar com celeridade o que ocorreu em um caso específico é fundamental. Não para o processo eleitoral, mas para o fortalecimento das instituições.