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Esqueça Canoa Quebrada e Jericoacoara. No verão deste ano, o ponto mais eletrizante do litoral cearense vai atender pelo nome de Pecém, porto na cidade de São Gonçalo do Amarante, região da Grande Fortaleza. É ali que está sendo instalado o primeiro projeto latino-americano de geração de energia limpa a partir do balanço das ondas do mar.

A ideia começou a ganhar forma em 2001, quando o Rio de Janeiro abrigou a 21ª edição da Conferência Internacional de Mecanismos Costeiros e Engenharia Ártica (Omae, na sigla em inglês). Durante o evento, os professores da Coordenadoria de Pós-Graduação e Pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ) ouviram engenheiros europeus falarem maravilhas sobre os avanços desenvolvidos no Velho Mundo para aproveitar a energia gerada a partir das ondas.

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Gostaram do que ouviram, mas decidiram não copiar projetos de fora. Os professores passaram a incentivar seus alunos a defender teses que ajudassem a criar um modelo brasileiro de usina de ondas. Testes, protótipos e rascunhos foram produzidos em série, até que em 2008 chegou-se ao formato final. Cientes de que a ideia era boa demais para ficar acumulando poeira em alguma prateleira na biblioteca da universidade, os professores foram tentar viabilizar a construção.

Enquanto batiam em algumas portas, estudavam que partes do litoral ofereciam as melhores condições de ondas para manter as turbinas funcionando. Ao saber que um desses locais estava em suas praias, o governo cearense cedeu uma área em seu porto. Ótimo, mas não dá para construir uma usina formada por flutuadores, braços metálicos, câmeras hiperbáricas e turbinas sem dinheiro, muito dinheiro. Precisamente, R$ 15 milhões.

Com o faro de quem não quer deixar a onda passar, a empresa Tractebel Energia, de Santa Catarina, assinou o cheque. Braço brasileiro do grupo franco-belga GDF Suez, a companhia já é dona de um parque gerador formado por 21 usinas, entre hidrelétricas, termelétricas e eólicas. Como a demanda por energia limpa vem aumentando no mundo, a Tractebel vê na parceria com a universidade carioca a oportunidade de ajudar a humanidade a depender cada vez menos de petróleo e, claro, faturar com isso. Mas sabe que o retorno é demorado.

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PESO-PESADO
Montagem de um braço mecânico de 25 metros

“A matriz energética mundial ainda é 80% baseada em combustíveis fósseis”, diz Eliab Ricarte, professor da Coppe/UFRJ e gerente do projeto. “Claro que, hoje, a energia gerada a partir das ondas ainda é complementar e não substitui as demais”, completa. Até porque sempre há o fator custo. Quando estiverem operando em caráter comercial, as usinas de ondas vão produzir uma energia que será vendida por cerca de US$ 210 o megawatt-hora. Numa hidrelétrica, o preço cai para US$ 60. Diferença que a economia de escala vai atenuar no futuro.

Até lá, o atrativo das usinas de ondas será o apelo ambiental. “O processo de geração por esse método é 100% livre de emissões”, diz Sérgio Maes, gerente do projeto pelo lado da Tractebel. Além disso, em escala comercial, a energia das ondas é mais em conta do que a solar, por exemplo. A empresa americana nPower, que produz um modelo alternativo de usina de ondas, calcula que o quilowatt-hora pelo seu sistema custa US$ 0,05, contra até US$ 0,25 da concorrência solar.

Isso indica que, no futuro, a canção de Dorival Caymmi pode ganhar um complemento: “O mar quando quebra na praia é bonito”. E gera energia.