No encarte de seu primeiro álbum Admirável chip novo, lançado em 2003, a roqueira Pitty, 27 anos, agradece ao universo, “que geralmente conspira a favor”. Com ajuda cósmica ou não, seu trabalho de estréia vendeu 250 mil cópias e abriu caminho para o DVD Admirável vídeo novo, que atingiu a marca das 25 mil cópias vendidas. Foi o suficiente para a cantora e compositora ser alçada ao posto de ídolo teen. Se a senha para o sucesso era o rock mais comercial, de letras repletas de inquietações adolescentes, Pitty parece disposta a não repetir a fórmula no novo trabalho, Anacrônico, que chega às lojas esta semana. O disco é mais pesado e os versos querem ser mais profundos e sombrios. “Aquele discurso fazia sentido há dois anos. Eu mudei, todo mundo mudou. Não posso me trair e entrar numa onda de compor para adolescentes. Soaria fake, o público não é bobo”, explica a baiana, dona de belos olhos verdes, sempre delineados com lápis preto, indispensável ao seu jeitão soturno.

Aliás, quem vê a roqueira com seu visual dark – o armário é composto por
roupas escuras “compradas em brechós de Nova York e Los Angeles”,
entrega a produtora Luciana – não pode imaginar que, talvez por uma ironia geográfica, a moça tenha nascido na ensolarada Salvador e crescido na turística Porto Seguro. “Todo mundo gosta do clima festivo da cidade, mas para quem mora é um lugar muito parado”, explica. Por causa da agenda de shows, Pitty mudou para a região central de São Paulo. “Estou me sentindo em casa. Sou urbana, adoro cheiro de fumaça e combino com o concreto”, garante. Prova de que está à vontade na selva de pedra é a turma que formou na nova cidade. No apartamento do baterista Duda, onde esta entrevista foi realizada, Pitty costuma participar de baladas regadas a cerveja, churrasco e rock’n’roll, que costumam contar com a presença dos gaúchos do Cachorro Grande e dos capixabas do Dead Fish, duas das bandas roqueiras mais cultuadas no momento. “Essa casa já tem até cheiro de boteco”, brinca, enquanto ouve o CD dos Strokes, Is this it.

Alternativa – Mais para Rita Lee do que para Ivete Sangalo, Pitty assume que a
vida de roqueira na terra da axé music não era das mais fáceis. Durante quatro
anos, circulou pelo ambiente alternativo baiano com sua banda, a Inkoma. “Era
tudo muito difícil e ganhava pouco pelos shows. Mas foi uma ótima escola”, reconhece, lembrando que existe uma tradição roqueira na Bahia, representada
por Raul Seixas e Marcelo Nova. “Tem gente que diz que me vendi ao sistema,
mas acho esse papo um misto de inveja e frustração. Quem quer ficar no underground não faz shows, fica na garagem de casa tocando para cinco amigos”, alfineta. Estudiosa, a cantora gosta de ter opiniões sobre tudo e geralmente recorre aos livros de história quando um assunto lhe chama a atenção. De tanto perguntarem a ela como é ser uma garota no mundo do rock, acabou se interessando pelo assunto. “Comecei a pesquisar o papel da mulher na sociedade e parei na Inquisição.” O resultado foi a música Quem vai queimar?, inspirada nas mulheres que eram queimadas vivas, acusadas de feitiçaria. “Queria que meu cérebro fosse um computador. Fico incomodada com a idéia de que vou esquecer muito do que aprendo. Sou humana, meu HD é um lixo”, compara. O sucesso repentino impediu a conclusão do curso de música que fazia na Faculdade Federal da Bahia, onde também dava aulas de iniciação musical. “Mas tudo bem, um dia eu concluo. Se o disco não tivesse dado certo, talvez eu ainda fosse uma professorinha nordestina”, afirma, com calculada ironia.


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