O cotidiano de uma pessoa pode ser uma sinfonia perturbadora. De manhã, é comum que a caminhada – ou os exercícios na academia – seja também a hora dos fones no ouvido para escutar um CD ou as músicas do tocador de MP3 em “alto e bom som”. Depois, no carro, o rush matutino traz uma sucessão de ruídos irritantes. Para combatê-los, liga-se o rádio, às vezes, num volume exagerado. No trabalho, uma tevê espalha o burburinho de alguma CPI. No final do dia, para aliviar o stress, opta-se por um pulo no bar, tão lotado que quase é preciso gritar para conversar. Ou então por uma esticada numa boate agitada por um som martelante. O fato é que o mundo está cada vez mais barulhento. E, por conta disso, os riscos de um indivíduo apresentar perda auditiva são maiores.

Calcula-se que 25 milhões de brasileiros tenham alguma diminuição auditiva. Nessa população estão desde pessoas que nasceram com comprometimento auditivo ou são portadores de alguma doença que afeta o sistema auditivo, caso da diabete, até aqueles que, por estarem freqüentemente expostos a ruídos excessivos, sofreram lesões. É importante lembrar que por volta dos 65 anos existe uma diminuição natural da capacidade de ouvir. A notícia ruim é que os consultórios começam a receber pacientes mais jovens, por volta dos 50 anos, com queixas sérias. “As pessoas estão perdendo a audição mais cedo”, afirma Sady da Costa, presidente da Sociedade Brasileira de Otologia (doenças do ouvido). Em setembro, a entidade lançará uma campanha para mostrar que é possível prevenir complicações no futuro.

Uma das razões para que o comprometimento auditivo se manifeste antes é que a sociedade se habituou à exposição a sons exagerados. E é comum que isso ocorra sem a proteção dos ouvidos. “Recebi pacientes com trauma acústico por terem ficado próximos a caixas de som”, diz o otorrinolaringologista André Sampaio, da Universidade de Brasília. Sabe-se que o sistema auditivo pode tolerar, sem risco de lesões, uma exposição a 85 decibéis durante oito horas (confira exemplos de fontes sonoras acima). A cada cinco decibéis a mais, a tolerância se reduz para metade do tempo. Ou seja, numa discoteca (100 decibéis) o ideal seria permanecer no local por uma hora. Num festival de rock, o nível de ruído pode ser maior. No mês passado, o guitarrista João Paulo Fernandes, da banda Sentupé, acompanhou um evento desses usando um protetor de ouvido. “Eu me protejo. Há três anos percebi que eu vivia falando ‘ahn’ porque não entendia as pessoas. Passei a usar o protetor nos ensaios e até em shows. Estou ouvindo melhor”, conta.

Já que é raro ver tal cena em ambientes como esses, deve-se dar repouso ao ouvido. Uma noite bem dormida ajuda a recuperar, mas é necessário que a agressão não se repita com freqüência. “Sair da discoteca com zumbido ou sensação de surdez normalmente é um efeito temporário. O sistema tem capacidade de se regenerar após algumas horas. O correto é fazer um descanso. Se o zumbido persistir, deve-se procurar o médico porque esse é um dos sintomas de início de perda auditiva”, ensina José Jorge Júnior, da PUC/SP.

Para evitar a perda auditiva precoce, o melhor é investir em informação. Poucos sabem que os excessos de hoje se refletirão anos depois. “Na indústria, um trabalhador exposto a ruídos excessivos leva de dez a 15 anos, em média, para apresentar deficiência. Muitos não tomam cuidado porque na hora não sentem que estão com problemas. Em alguns setores, os alertas vêm sendo dados. Mas para o resto da população isso não acontece como deveria”, observa a fonoaudióloga Fernanda Zucki, co-autora do livro recém-lançado Caminhos para a saúde auditiva (Ed. Plexus). Felizmente, há quem esteja fazendo a lição de casa. Recentemente, Gwyneth Paltrow levou a filha Apple a uma apresentação da banda Coldplay, liderada pelo marido da atriz, Chris Martin. A menina, que exibiu um chamativo abafador de ruído, fez bonito.