O príncipe Klemens von Metternich (1773-1859), paladino da ordem conservadora pós-napoleônica na Europa e ministro do Exterior da Áustria, dizia que “o maior talento de um estadista não consiste em saber quais concessões deve fazer, mas reconhecer quando deve fazê-las”. Assim, por exemplo, o ex-presidente da França Charles de Gaulle possibilitou a independência da Argélia em 1962, irritando parte de seus aliados da direita, que quatros anos antes o colocaram no poder para esmagar a rebelião argelina. Já o presidente americano Richard Nixon, que era anticomunista até o último fio de cabelo, iniciou, em 1972, negociações para retirar as tropas americanas do atoleiro vietnamita – precedidas, é verdade, de impiedosos bombardeios americanos contra o Vietnã do Norte e o Camboja para forçá-los a concessões. Agora, o fenômeno se repete em Israel. Durante anos, o atual primeiro-ministro, Ariel Sharon, foi a expressão mais acabada da linha-dura israelense. Ele sempre se opôs aos acordos de paz com os árabes e palestinos e fez tudo o que pôde para boicotá-los. No poder, jogou toda a força militar de Israel contra a Intifada (rebelião) palestina e a Autoridade Nacional Palestina e incentivou a colonização judaica em Gaza e na Cisjordânia. No ano passado, contudo, Sharon surpreendeu ao decidir retirar unilateralmente todos os assentamentos judaicos da Faixa de Gaza, habitada por 1,5 milhão de palestinos, e quatro na Cisjordânia. Agora que essa retirada está se concretizando, os setores ultra-ortodoxos rangem os dentes e tratam como miserável traidor o ex-general que antes era o símbolo de suas aspirações.

“O falcão Ariel Sharon está comprovando um conhecido paradoxo: os políticos de linha dura são os que mais tendem a fazer concessões, seguindo a tradição de seu mentor, o falecido premiê Menachem Begin, que em 1979 assinou um acordo de paz com o presidente egípcio Anuar Sadat”, disse a ISTOÉ o rabino Henry I. Sobel, presidente do rabinato da Congregação Israelita Paulista (CIP). Begin foi um terrorista de direita que não admitia quaisquer concessões aos inimigos árabes-palestinos até chegar ao poder. “Sharon mudou completamente nos últimos anos, principalmente sobre o que pensava em relação ao futuro e à segurança de Israel”, disse Asher Susser, do Centro Moshe Dayan, da Universidade de Tel-Aviv. “Poderia ser mais difícil para os políticos da esquerda realizar planos como o da retirada de Gaza. E quando a direita tem uma posição mais conciliatória, a esquerda tende a apoiá-la; mas o oposto não costuma acontecer”, analisa Susser.

Oportunismo – Seja como for, a decisão rachou o Likud, o partido conservador de Sharon. No domingo 31, o ministro das Finanças e ex-premiê Benjamin Netanyahu renunciou ao cargo por discordar do desassentamento. Os dois disputam a liderança do partido e Bibi, como é conhecido, fez essa manobra política pensando nas eleições gerais previstas para 2007. Isso porque, apesar de a retirada ser apoiada pela maioria, Sharon enfrenta um desgaste crescente. Milhares de colonos vindos de várias partes de Gaza e da Cisjordânia lotaram as ruas de Tel-Aviv e Jerusalém em grandes atos de protesto.

Alguns críticos da retirada unilateral ressaltam que, embora todos os 21 assentamentos em Gaza tenham sido desativados, na Cisjordânia apenas quatro dos 120 estão nos planos de desocupação. E enquanto radicais judeus temem que a Cisjordânia seja lentamente entregue à Autoridade Palestina, palestinos receiam que Sharon se limite apenas em desocupar Gaza, deixando de lado o território ao lado do rio Jordão, onde se concentra a maioria dos palestinos (2,4 milhões). “Não faz sentido não desocupar a Cisjordânia, porque sem isso seria impossível estabelecer a criação de um Estado palestino. E a retirada dos colonos tem justamente esse principal objetivo. Mas, obviamente, se a expansão das colônias continuar na Cisjordânia, então a lógica do plano de paz estaria fadada ao fracasso”, afirmou o analista israelense Asher Susser.

Se, apesar de tudo, avançar na conquista da paz, Sharon se mostrará um estadista à altura de seus antecessores (Begin e Yitzhak Rabin) e a história lhe perdoará os crimes cometidos no passado em nome da segurança de Israel.

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