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A cartilha política do PSOL, partido de extrema esquerda, ensina a seus militantes que “a classe dominante é sócia da dominação imperialista”. Como plataforma política, entre outras coisas, o partido condena os lucros das instituições fi nanceiras, apregoa a estatização dos bancos e defende o “socialismo como princípio estratégico para superar a ordem capitalista”. Empunhando essas bandeiras, a economista Mariana Almeida, 26 anos, tem corrido ruas e praças de São Paulo na disputa por uma cadeira na Câmara Municipal. Não há nada de incomum no fato de uma jovem recém-saída da universidade se encantar com o discurso dos radicais de esquerda. O que chama a atenção no caso da candidatura de Mariana é o fato de ela ser fi lha do banqueiro Natalísio de Almeida, diretor para a América Latina do Itaú, maior banco privado do País, que fechou o primeiro semestre com um lucro líquido de R$ 4,084 bilhões. “A origem não importa. A única coisa que afeta a minha imagem é a minha prática”, diz Mariana, mostrando-se afi ada no discurso marxista. As lideranças do PSOL também parecem não se importar em ter nas suas fi leiras uma candidata da “classe dominante”. “Fidel Castro era fi lho de usineiros e isso não o atrapalhou”, afi rma o advogado Plínio de Arruda Sampaio, um dos líderes do partido em São Paulo.

Mas Mariana não seguiu totalmente os passos do líder cubano. “Não rompi com minha família. Eles acompanharam meu amadurecimento ideológico e me aceitam”, diz a candidata. “Respeitamos a individualidade de cada um”, concorda o pai. “A opção feita pela Mariana é compatível com a sua militância e o engajamento em defesa dos ideais pelos quais sempre lutou”, diz o diretor do Itaú, que assegura não ter fi cado surpreso quando recebeu a notícia de que a fi lha seria candidata pelo PSOL. Com 19 anos, Mariana resolveu deixar a confortável casa dos pais para viver sozinha. “Quis ser independente”, afi rma a candidata, adepta do visual básico, sem maquiagem. Ela foi morar em um apartamento num edifício de oito andares na Vila Madalena, bairro de classe média em São Paulo, avaliado em R$ 340 mil. O imóvel, segundo declaração prestada ao Tribunal Regional Eleitoral, está quitado e em nome dela. Na campanha, Mariana propõe a gratuidade do transporte público e a implantação de ciclovias. Para se locomover pela cidade, ela usa um Citroën C3, avaliado em R$ 30 mil. “Moro perto do metrô, mas às vezes fi ca difícil não usar o carro, principalmente à noite”, afi rma.

A candidata é formada em economia e em relações internacionais e atualmente faz o mestrado em política econômica na PUC. Foi durante o curso de economia que surgiu o interesse pela política. “Me descobri socialista trabalhando com projetos de economia solidária na USP”, diz a candidata. A professora Leda Paulani, orientadora do grupo de Mariana na Universidade de São Paulo, recorda-se que a aluna era atuante. “Ela fazia parte de um grupo que trabalhava politicamente e sempre esteve voltada para a esquerda”, afi rma Leda. Depois de formada, Mariana foi trabalhar na Venezuela, no Ministério da Agricultura. Ela se confessa uma admiradora do presidente Hugo Chávez, mas avalia que no Brasil sua política não funcionaria. “Ele é muito personalista”, diz.

A fi lha do banqueiro assegura que não usará dinheiro do pai durante a campanha e condena o fato de seu partido aceitar recursos de pessoas jurídicas. “Sou a favor do fi nanciamento público das campanhas e só aceitarei recursos de pessoas físicas”, promete. Para ajudar na candidatura, ela conta com um grupo de 15 amigos e promete fazer a campanha exibindo vídeos em praças públicas contendo suas propostas e distribuindo cerca de cinco mil folhetos. Pretende gastar no máximo R$ 50 mil e diz que até a semana passada conseguiu arrecadar apenas R$ 30 mil. “Se for o caso, cortaremos despesas”, avisa.

Luciana, a pragmática
No fi nal de agosto, a candidata do PSOL à Prefeitura de Porto Alegre, Luciana Genro, recebeu da empresa Gerdau R$ 100 mil para a campanha eleitoral. “A empresa não pede nada em troca; se eu não aceitar, sou burra”, disse Luciana. Quem estrilou foi o deputado federal Chico Alencar (RJ): “Foi um erro e uma contradição”, disparou ele, que é candidato à Prefeitura da cidade do Rio. “Ela deveria devolver. É melhor trilhar um caminho franciscano do que correr o risco.” Nessas eleições, Luciana apresentou uma versão light: abandonou o discurso raivoso, alisou os cabelos e se apresentou ao lado do pai, o ministro da Justiça, Tarso Genro, do PT, no horário eleitoral. E até se permitiu aceitar a contribuição de Jorge Gerdau Johannpeter.