Eles sempre acham que as mesadas, ou semanadas, não são suficientes. Fazem cara feia quando têm de abrir mão de uma balada e freqüentemente estouram a conta do celular, instrumento “indispensável” que, sem um freio orçamentário, seria trocado a cada novo lançamento. Com a tecnologia no DNA, cobiçam games e aparelhos de som de última geração. Às vezes doces, às vezes cheios de ira, temem ser os mais desprezados e insignificantes seres do mundo sem “aquela” calça ou “aquele” tênis. Essas criaturas ávidas por novidades são 33 milhões de brasileiros de dez a 19 anos – uma força consumidora que, cada vez mais, não pode ser desprezada em nenhuma campanha publicitária. Estudo realizado pela Ipsos Brasil em 2004, com 4,3 milhões de garotos e garotas de 13 a 17 anos de todas as classes sociais em nove centros urbanos, revela o potencial de compra dessa galera que faz dos shoppings e da internet seus mais concorridos espaços sociais. O estudo mostrou que 62% deles freqüentam shoppings, 43% têm celular e 20%, computador pessoal. Índices que nas classes AB sobem para 78%, 65% e 44%, respectivamente, e superam a média da população adulta, que é de 54%, 39% e 15%.

Outro estudo realizado pela Store Shopping Administração e Marketing, do Rio Grande do Sul, com 1.400 jovens de 14 a 22 anos, retrata este consumidor precoce como um bem-informado amante das vitrines. Sempre em grupos, ele vai até três vezes por semana ao shopping e se dedica a compras em média 78 minutos, gastando algo em torno de R$ 69 em cada passeio. Ele também é bom pagador: 76% paga à vista e 12% em cartão de crédito. “O IBGE indica que os 17 milhões de brasileiros com até 22 anos que já trabalham correspondem a uma renda de R$ 30 bilhões por ano. Se considerarmos o poder de influência desta moçada no orçamento familiar e as mesadas, esse montante chega a R$ 90 bilhões por ano”, explica Paulo Pretto, diretor da empresa.

Não é difícil entender essa propensão ao consumo. Conflitos inerentes a esse período de transformação fazem dos adolescentes alvos extremamente interessantes para a propaganda. Como casulos que ainda escondem o colorido das asas da futura borboleta, os adolescentes vivem talvez a fase de maior insegurança do desenvolvimento humano. O corpo, com hormônios em ebulição, desperta a atração pelo outro e uma conseqüente supervalorização da aparência, da beleza e do julgamento alheio. Eles não são mais crianças, mas ainda não viraram adultos e – mesmo a meio caminho – precisam definir uma identidade. “O ser humano passa por duas grandes rupturas na vida. A primeira, na infância, com a quebra da relação simbiótica com a mãe. A segunda, na adolescência, quando é preciso se descolar da família para construir sua própria identidade. Essa busca traz a marca da urgência, porque o processo biológico avança sem volta”, explica a psicanalista Ana Olmos, especialista em crianças e adolescentes.

Tanta necessidade de auto-afirmação explica por que a garotada julga crucial ter a pulseirinha ou o videogame valorizados pelos amigos. “Trata-se do chamado ‘mecanismo de identificação projetiva’, no qual o adolescente, a partir das necessidades dos amigos, tenta justificar as suas”, diz Ana. O problema é que, além de projetiva, essa identificação se torna progressiva. “Se no começo ele diz que precisa de um celular, porque é o único na sala que não tem, depois vai dizer que seu celular é o único do grupo que não tira fotos”, completa a especialista. Cabe aos pais identificar o que, de fato, é importante e o que não passa de um capricho. Afinal, aprender a lidar com a frustração também é fundamental para o crescimento.

Nesta sede de ter para ser, os shoppings aparecem como a terra prometida. Dos 110 milhões de pessoas que circulam nos 577 shoppings espalhados pelo País, 20% são adolescentes, segundo dados da Associação Brasileira de Lojistas de Shoppings Centers (Alshop). “Eles são ótimos clientes. Diferentemente dos adultos, eles consomem sem remorsos, sem peso na consciência. Gostam de experimentar e querem estar sempre na moda, já que a apresentação é um elo de integração com a turma”, analisa o presidente da Alshop, Nabil Sahyoun. Para os adolescentes, esses centros de compras são como o quintal engolido pelas grandes cidades ou a extensão dos pátios dos colégios. São tidos como locais seguros de entretenimento e lazer, onde a meninada pode passear, namorar, comer e se divertir sem que os pais fiquem desesperados com o risco da violência urbana. “O adolescente é multiligado, tem pressa de tudo, fala ao telefone, vê televisão e está plugado na internet ao mesmo tempo, mas no shopping ele fica sem pressa. O ambiente pode ser sempre igual, mas lá ele vê tudo desfilar, as vitrines trazem sempre novidades, há cinema, serviços. Há também uma pluralidade de personagens – jovens, adultos e crianças”, explica Ana Elizabeth Iwancow, professora de publicidade da Unisinos, do Rio Grande do Sul, que estudou o comportamento jovem e o shopping center em sua tese de doutorado.

As estudantes paulistanas Fernanda Borges, 17 anos, e Vivian Suzuki, também
1 7, são exemplos dessa paixão adolescente pelos shoppings. Cursam o terceiro ano do ensino médio em um colégio praticamente vizinho ao Shopping MetrôSanta Cruz e, por causa da rotina, circulam pelo centro comercial quase diariamente. “Durante a semana almoçamos e passeamos por aqui. Já nos finais de semana vamos ao Shopping Ibirapuera ou ao Iguatemi”, conta Fernanda. É nessas ocasiões que as jovens costumam fazer compras. “Não dá para sair comprando todos os dias. Geralmente compramos só uma peça de roupa por semana”, completa Vivian. Para elas pode parecer pouco, mas, na contabilidade geral,
não exatamente. Entre seus xodós estão as bolsas e as calças jeans. Vivian
tem 30, e Fernanda, 20, respectivamente.

Mas não se pode esquecer que essa meninada é fruto da sociedade na qual
está inserida. Se os próprios pais têm dificuldades de resistir ao impulso de
compra, o que esperar dos adolescentes? Ao tentar estudar os hábitos dos adolescentes nos shoppings, a professora Ana deparou com uma figura batizada
de adultescente. Pessoas de 30 a 45 anos, que têm inserção social de responsabilidade como outros adultos, mas mantêm estilo de vida adolescente. Adoram shoppings e roupas de grife, apesar de associar a marca à qualidade e aderem totalmente à lógica de significação dada ao consumo. “O importante não
é o objeto em si, mas o que ele significa nas relações. O jovem busca possuir determinado item para ser igual e ao mesmo tempo diferente. Igual à turma que cobiça e diferente do grupo infantil ao qual deixou ou dos grupos de adultos com
os quais se relaciona”, pontua. Para os adultescentes, os valores seguem a tão atual tônica de exaltação da beleza e da juventude. Para a psicóloga e jornalista Denise Ziliotto, organizadora do I Congresso Brasileiro de Psicologia do Consumidor, ocorrido este ano no Rio Grande do Sul, os desejos da sociedade estão depositados no ideal adolescente. “É a fase supostamente feliz por excelência porque nela seria possível viver todos os desejos sem a preocupação
de responder por eles, como é esperado do adulto.” Ela explica ainda que essa forma de pensar e viver a vida é recente. Até meados dos anos 60, o ideal era ser adulto e adepto da contracultura. Ser eternamente jovem… quem não quer?