Mesmo sabendo que a Copa do Mundo 2010 já não passa de uma conversa de botequim, não resisto, vou falar de futebol. Futebol pra mim é coisa séria. Está, no meu acervo cultural e afetivo, perfilado com a música, o cinema, a literatura e a religião. Mais que um esporte, é ritual metafórico de nossa existência. Isso talvez explique por que, em quase nenhum momento, eu tenha torcido de coração aberto por Dunga e sua Seleção (seu lema parecia ser “melhor um mediano vencedor que um gigante que perde”). Não tiro seus méritos. O ambiente da Seleção precisava de disciplina e ele a resgatou, ponto para ele. Também rigor e austeridade, coisas necessárias a todos, desportistas ou não. E ainda “comprometimento”, a palavra-chave de sua campanha. Faltou porém ensinar que na vida importa também – ou sobretudo – a poesia, a paixão, o encantamento. Sem paixão, dizia Nelson Rodrigues, não se chupa nem um Chicabon.

O arguto leitor argumentará: “mas como falar em poesia num meio onde circula tanta grana?”… Também poderá dizer que já não cabe o futebol técnico ou irreverente, o drible, a invenção; que futebol hoje é mais força e menos arte, que já não há lugar para a beleza dentro das quatro linhas… É justo dizer que a Copa do Mundo é um campeonato perverso – rápido e mortal. Dela dizia o puro Garricha que é “um torneio mixuruca, não tem nem segundo turno”. Um lapso do cosmos e um grande time pode tombar. Não foi o caso desta Seleção. Foi sim o caso da inesquecível Seleção de 82, a encantadora vice-campeã daquela contenda (nostalgia não é falta de caráter. Ou é?).

Foi também por um lapso que o Brasil não trouxe o caneco. Poderia ter ido à final, capenga como estava desde o início, com breves fagulhas criativas e nada mais, aos trancos e barrancos, claro que sim. O título, estou certo, reforçaria um pensamento que é feio ­reflexo da sociedade contemporânea. Premiados sejam os medianos aplicados, os cê-dê-efes disciplinados e aguerridos, os que batem continência à soberba e à arrogância – a vitória deve vir a qualquer custo. Castigo para os desadaptados brilhantes, para os gênios de pernas e alma tortas, para os camicases abnegados. Ou para os talentosos simplesmente.

O futebol é mais que um esporte. É um ritual metafórico – e preciso – da vida. Talvez o que esteja faltando seja um pouco daquela pureza, daquela loucura santa de Garrinchas e Canhoteiros. Mas se já não há lugar para pureza no mundo, por que haveria no futebol?

P.S.1: Dunga não foi um mau jogador. Era mais ­técnico que todos os 101 volantes por ele convocados. Infelizmente, seu temperamento ficou mais célebre que seu futebol. É ressentido, e o ressentimento é um adversário imenso.
P.S.2: Já que o cargo de treinador da Seleção Brasileira é um cargo político, de abrangência e interesse nacionais, sugiro que se faça um plebiscito. Que o técnico seja escolhido pelo voto popular. Isso sim justificaria a cantilena do “comprometimento”.
P.S.3: Um salve para o goleiro Júlio César, menos pelas atuações e mais pela atitude, mostrando alma e coragem suicida ao assumir a culpa pelo primeiro gol da Holanda (culpa essa que nem sei se teve) ou ao derramar lágrimas sinceramente comovidas diante das câmeras de tevê.
P.S.4: Dedico este texto a Nelson Rodrigues, que, tenho absoluta certeza, não teria torcido para esta ­Seleção se vivo fosse.