A corrupção não é própria de um tipo de negócio, é própria de um tipo de gente.” É com esse argumento que Dalton Pastore, 54 anos, presidente da Associação Brasileira de Agências de Publicidade (Abap), tem respondido a quem o questiona sobre a sujeira que o mar de lama político jogou sobre a indústria nacional da publicidade na forma do empresário Marcos Valério Fernandes de Souza e de suas agências SMP&B e DNA. Fundador e um dos sócios da Carillo Pastore, uma das maiores e mais importantes agências do País, Dalton Pastore conta que, sempre que um novo escândalo campeava nas pradarias políticas, se orgulhava de ver sua profissão preservada. “Eu dizia sempre que não existia escândalo com agências de publicidade. Hoje temos o pior escândalo que este país já enfrentou envolvendo justamente agências de publicidade”, constata ele, reeleito há três meses para presidir a entidade que reúne as 230 principais agências de propaganda do País – representando 80% do bolo publicitário nacional. Aconselhado por alguns colegas a reagir à escalada de denúncias destacando a pujança do setor – que soma quatro mil agências, emprega 32 mil pessoas e totalizou R$ 30,1 bilhões em investimentos no ano passado –, Pastore prefere a sensatez. “A única coisa que pode trabalhar a favor da nossa reputação agora é a verdade, é separar o joio do trigo”, defende. Nesta entrevista a ISTOÉ – em mais uma semana de bombardeio para a categoria, com os depoimentos do sócio de Valério, Cristiano Paz, e de Duda Mendonça e sua sócia Zilmar Fernandes na CPI –, Pastore defende as investigações, diz que malas de dinheiro não fazem parte da rotina do setor, coloca em dúvida a eficácia de uma reforma política e convoca os brasileiros a um novo sonho de consumo: um país sem corrupção.

ISTOÉ – O País vive uma seqüência impressionante – e aparentemente interminável – de denúncias que afetam o governo Lula e o Congresso.
Como o sr. está vendo esse momento?
Dalton Pastore –
Vejo com muita decepção, como todas aquelas pessoas que tinham esperança de um governo diferente, de um partido diferente, que ajudasse
a resolver os graves problemas do País. Não conseguimos sair do lugar. A gente anda, anda, anda e, quando vamos ver, estamos sempre no mesmo lugar. Mas
vejo também com um certo otimismo e me pergunto: e se os brasileiros, que já sonharam com a democracia, sonhassem com um país sem corrupção? Se conseguíssemos eliminar esse mal, seríamos um país fenomenal. Sonhar não custa nada. E, quando um povo sonha de verdade, o que começou como sonho
deixa de ser inalcançável.

ISTOÉ – Existiu alguma crise parecida para a indústria publicitária?
Pastore
– Em 32 anos de profissão, nunca vi nada igual. Esse é um
espetáculo muito triste para todo o País, especialmente para nós. Por isso,
digo que a única coisa que pode trabalhar a favor da nossa reputação agora
é a verdade, é separar o joio do trigo.

ISTOÉ – Uma das figuras centrais da crise é Marcos Valério. Como
essa exposição negativa afeta um mercado que vive da imagem?
Pastore –
Marcos Valério não é publicitário de formação, como ele mesmo já declarou, ele nunca esteve envolvido na operação de suas agências. Por isso, muitos colegas ficaram indignados com o fato de ele ser tratado como um dos nossos e quiseram que a Abap se manifestasse esclarecendo que Marcos Valério não é publicitário. Não concordei que nos posicionássemos oficialmente sobre isso porque ele é de fato sócio de duas agências conhecidas, estabelecidas e ativas, o que faz dele, na prática, um empresário da indústria de publicidade. É importante não perder a razão e a serenidade ao avaliar tudo o que está acontecendo. É preciso perceber que a corrupção não é própria de um tipo de negócio, é própria de um tipo de gente. Por isso, não temos que nos isolar da crise, mas nos manifestar abertamente pela investigação profunda de tudo, pelo esclarecimento e pela verdade. A única coisa que não queremos são suspeitas, não queremos conviver com dúvidas. O Ministério Público, a Polícia Federal e as CPIs do Congresso devem investigar as agências de publicidade que mantêm contratos com o governo. Que a investigação seja feita, de forma rápida e definitiva. Não podemos ter nomes de empresas envolvidas sem uma conclusão.

ISTOÉ – Marcos Valério é a cara do publicitário brasileiro?
Pastore –
Como disse, tenho evitado cair na saída fácil de dizer simplesmente que ele não é publicitário e nos colocar de fora da crise. Muita gente queria que eu reagisse lembrando que a publicidade brasileira está entre as três melhores do mundo, que empregamos 32 mil pessoas, que recolhemos muitos impostos, mas a verdade é que ninguém está perguntando isso. O que está sendo colocado em dúvida é a postura ética de agências em sua relação com o governo federal. Não podemos ignorar a crise, temos que ficar na superfície. E nada seria mais suspeito do que sairmos agora na defesa do nosso negócio reafirmando coisas que ninguém está questionando. Quando o presidente Lula lembra que foi um retirante pobre e o José Dirceu ressalta seus anos na clandestinidade contra a ditadura, as pessoas devem pensar: não é isso que queremos saber. As perguntas que estão no ar são outras. O que posso garantir é que o publicitário que temos hoje no Brasil é aquele cara que vive exclusiva e profundamente o dia-a-dia de sua agência e dos seus clientes, fazendo planejamento estratégico, plano de mídia, criando campanhas, produzindo filmes, ganhando prêmios. Esse é o publicitário brasileiro. Esse não é o caso do Marcos Valério.

ISTOÉ – As apurações da CPI mostram que Marcos Valério transformou suas empresas em verdadeiras agências-lavanderias. Qual a possibilidade de que existam outras agências sendo usadas para irregularidades?
Pastore –
Acho que a população está se perguntando isso, tem o direito de perguntar. Se duas agências foram usadas para esse tipo de negócio, porque outras agências não podem ter feito o mesmo? É com essa suspeita que a gente não quer conviver. Portanto, investiguem. Agora, não é porque um banco quebrou e deixou seus acionistas na mão que o sistema financeiro é podre. Não é porque houve um desmando numa construtora que não se pode mais comprar apartamentos. Não se pode corrigir um problema, eliminando todo o setor. Temos que descobrir o que está acontecendo. E não é só no nosso negócio. Hoje um monte de gente defende teorias de que o problema da corrupção no poder público se conserta com uma reforma do sistema político brasileiro. Pode ser que melhore, mas não é isso que vai fazer as coisas mudarem de verdade. Devíamos ter aprendido que a culpa não é do sistema, mas das pessoas. Se houve corrupção envolvendo agências, a culpa não é da publicidade, mas das pessoas que aceitaram fazer isso.

ISTOÉ – Os valores dos contratos com o governo que estão vindo à tona, falando em milhões de reais, são normais dentro do mercado publicitário?
Pastore –
Os contratos de publicidade de uma agência envolvem uma parte, que normalmente é de 80%, que é transferida diretamente aos meios de comunicação. Se uma agência tem um contrato de R$ 10 milhões, por exemplo, R$ 8 milhões serão transferidos no mesmo dia em que ela receber do cliente. Portanto, o contrato na verdade é de R$ 2 milhões. A agência é apenas responsável pelo processo financeiro dos outros R$ 8 milhões. Isso confunde muita gente. Os valores dos contratos da DNA e SMP&B com o Banco do Brasil e outros clientes estatais não surpreendem, são provavelmente reais. Já a movimentação financeira dessas agências ultrapassa largamente a normalidade em uma atividade publicitária.

ISTOÉ – Os fatos revelados pela CPI mostram uma relação delicada toda
vez que existem contratos com o poder público. O que é possível fazer
para que essa relação seja honesta e transparente?
Pastore –
Não são os contratos de publicidade com o poder público que precisam ser olhados com cuidado, mas todos os contratos com o dinheiro público. Dinheiro público exigirá sempre clareza. O processo de licitação de agências de publicidade com o governo, em qualquer nível, é muito bem elaborado. Foi elaborado para ser justo, honesto e transparente. Fazer com que ele seja tudo isso não depende do processo, mas das pessoas.

ISTOÉ – A Lei de Licitações trata as
agências de publicidade no mesmo
patamar de empreiteiros de obras. O
sr. acha isso correto?
Pastore –
Sempre temos o que aperfeiçoar, por isso devemos estar abertos a avaliar novas opções. Existe, inclusive, um grupo na Abap discutindo se devemos propor regras específicas para a publicidade. Alguns podem argumentar que, por tudo o que está acontecendo, esta é a hora. Eu pessoalmente acho que, por isso mesmo, não há momento mais impróprio.
O problema não é o processo, mas encontrar quem se utilizou do
processo para fazer coisas ilícitas. Depois disso, podemos pensar
em mudar o processo. Mudar a Lei de Licitações é igual fazer reforma
política no meio da crise. Pode ajudar, mas não é isso que vai resolver.

ISTOÉ – Muitas agências têm parte expressiva de sua renda vinda de
campanhas políticas. Como na sua avaliação deve ser a relação de
publicitários e tesoureiros de campanha?
Pastore
– Acho que a relação de uma agência com um político ou um candidato a uma posição pública deve ser a mesma de uma agência com qualquer outro de seus clientes, ou seja, tem que ser calcada na obediência à legislação. O recurso deve ter sempre origem declarada e ser faturado.

ISTOÉ – É correto a mesma empresa realizar atividades de propaganda
e de marketing político?
Pastore –
Temos no mundo todo esses dois casos convivendo. Agências híbridas, que atendem produtos e serviços e também candidatos. E agências especializadas em marketing político, que só atendem candidatos. Não creio que a solução para a corrupção esteja em separar o publicitário do marqueteiro.

ISTOÉ – Os bastidores da SMP&B e da DNA com o PT, que estão vindo
à tona, mostram funcionários transacionando com dinheiro vivo, as
famosas malas do esquema. Essa é uma prática do mercado, realizar
e fechar negócios com dinheiro vivo?
Pastore –
Absolutamente não. Nunca vi isso em toda a minha vida, em nenhuma agência para a qual trabalhei. É totalmente, absolutamente, incrivelmente inusitado. É improvável que qualquer desses valores tenha sido usado para pagar fornecedor ou serviços publicitários.

ISTOÉ – A Abap lançou recentemente em parceria com o governo federal
a campanha “Bom exemplo: essa moda pega”, procurando disseminar
boas condutas entre as pessoas…
Pastore –
Você vê que são duas faces tão extravagantes do mesmo assunto. De um lado, temos uma campanha assinada por entidades do nosso setor, feita em colaboração com o governo federal, falando de bom exemplo. De outro lado, talvez nunca tenha existido uma época no País em que mais precisássemos de bons exemplos. Essa é uma campanha muito relevante, por isso ela continua no ar. Como a campanha foi feita antes desses escândalos, e não trata de política, mas das boas maneiras dos cidadãos, temos certeza que não ficará nenhuma impressão de que estamos tentando tapar o sol com a peneira. Se achasse isso, interromperia a campanha já. Mas admito que o mote da campanha, o bom exemplo, ficou contaminado pelo momento político.