10/09/2008 - 10:00
Lourdes Catão recebe ISTOÉ, na manhã da segunda- feira 1º, como se estivesse indo para uma festa. Nas orelhas, brincos em forma de leopardos em brilhantes, da Cartier, se comunicam perfeitamente com a elegância da larga pulseira de brilhantes e pérolas Chanel. Impecavelmente vestida – as golas rocambolescas da blusa Heckel Verri lhe dão um ar de camafeu –, é no detalhe do anel com pedra enorme que está um pouco de sua síntese: “Ele é de brincadeira”, avisa, como se dissesse que a vida não pode ser levada só a sério.
Lourdes foi casada com o empresário catarinense Álvaro Catão, cuja família era dona de negócios em vários setores, como mineração, indústria química e portuária, e teve três filhos, Álvaro Luiz, Isabel (que hoje usa o sobrenome Klabin) e Antonio, que faleceu em 2004, de câncer de pele. Freqüentou as festas mais glamourosas e seletas da alta sociedade brasileira nas décadas de 50 e 60. Mas a carioca de sorriso largo e educada para ser uma dócil esposa virou a mesa em 1972 ao se divorciar para viver uma paixão pelo playboy francês François Gaubin-Daudé. A revolução mesmo veio depois. Após a morte de seu ex-marido Álvaro, no fim da década de 90, e do irmão dele, Francisco, em 2001, o high society em peso pediu sais: Lourdes confirmou que seu primogênito Álvaro Luiz era filho do cunhado Francisco, e não do marido Álvaro. Até hoje, entretanto, o teste de paternidade não foi realizado devido a trâmites burocráticos articulados pelos advogados da viúva de Francisco, Ângela Catão. Ela seria a única herdeira da fortuna de mais de US$ 10 milhões, pois Francisco não deixou outros descendentes.
Com a credencial de quem entende de alta sociedade como poucos, Lourdes está assumindo a publicação do livro Sociedade brasileira, uma lista dos bacanas cariocas que era editado por sua irmã, Helena Gondim, falecida no ano passado. Para ela, quem dita as regras sociais hoje é a classe média alta. E não basta ser rico ou poderoso para entrar em suas páginas. O presidente Lula, por exemplo, é considerado sem gabarito para tanto. Lourdes fala inglês, francês, italiano e espanhol muito bem, sempre em voz baixa, como convém às pessoas verdadeiramente finas. De modo geral, arremata as frases com um sorriso, mesmo quando corta quase cruelmente. “Sabia que nos Estados Unidos não perguntam a idade porque sabem que é falta de educação?”, responde, diante da indagação. Ela está com 79 anos, mas, definitivamente, não aparenta.
Muito. Hoje, a sociedade é composta de várias classes representativas, como artistas, esportistas, pessoas que se destacam socialmente. É mais vasta, menos fechada. Grupo high society ficou démodé, brega. Não existe mais festa com grupinho de elite. Há prazer em conviver com pessoas de outros grupos que abrem novas idéias, novos horizontes.
Hoje, é mais questão de comportamento social do que de linhagem. Linhagem conta, evidentemente, mas conta mais quem se sobressai socialmente – de forma positiva, claro. Já o poder é mais complicado. Só poder não abre entrada no livro. Há políticos muito poderosos, mas com comportamento social não aceitável.
Para mim, não tem.
Porque eu acho que ele… Ah, não posso falar porque posso acabar presa ou com meu telefone grampeado… Hoje estamos quase numa ditadura. Os ministros do Supremo não foram grampeados?
Minha idéia é incluir pessoas de tevê, cinema, esporte. Kaká é um nome. Já Romário é mais discutível pelos antecedentes. Artistas como Fernanda Montenegro, Tarcísio Meira e Glória Menezes, Marília Pêra, apresentadores, como Jô Soares, Hebe Camargo, Marília Gabriela, Angélica e Luciano Huck. Porque são pessoas procuradas socialmente e este livro não é literatura, é um livro informativo. É um livro de busca. E penso em fazer, talvez, uma edição só para São Paulo.
Certamente, as pessoas têm medo de aparecer. Nossa geração vivia the age of innocence – a época da inocência. Porque ninguém tinha medo, nos vestíamos como queríamos, usávamos as jóias que queríamos, sem medo de ser feliz. Isso acabou.
A classe média alta. Em especial, a de São Paulo, que é mais extensa e rica. Então, o que conta numa sociedade hoje é a classe média alta e não mais a classe rica.
Tinha, tinha sim. E a vida me ensinou muita coisa. Eu trabalhei como decoradora nos Estados Unidos, me dei bem nessa atividade. Verdade seja dita, eu sempre quis muito trabalhar, mas o Álvaro não permitia. Não era aceitável que a mulher de um empresário como ele trabalhasse.
Eu recebia muito e saía muito. Portanto, tinha todo o trabalho decorrente disso: ia muito ao cabeleireiro, comprava muito alta-costura, viajava. E cuidava dos meus filhos, vivia agarrada com eles, além da casa grande que tínhamos na Urca.
Ainda é. Mas eu gosto de estar bem para mim. Se engordo, faço uma dieta. Continuo fazendo esforço para estar dentro dos meus padrões. Caminho, faço hidroginástica, não como frituras, carne só uma vez por semana. Bebo socialmente e só champanhe e vinho.
Estou com muita idade, não vou dizer não. Sabe que nos Estados Unidos você tem direito de dizer sua idade ou não? E ninguém pergunta porque é falta de educação perguntar idade.
Mas aqui perguntam, eu sei. Vou te dizer: tenho 79 anos.
Tem de saber jogar; uma peça é verdadeira, a outra é de brincadeira. E tem de ter despreendimento: se roubarem, roubaram, faz parte. E recorrer a alternativas como colares de contas, sementes, pedras semipreciosas, brincos de osso grandes. Brincadeiras também valem, como um relógio de Mickey Mouse. É uma maneira de sair do clássico pesado e de se modernizar um pouco.
Não tenho mais necessidade de votar. Se votasse, escolheria o Fernando Gabeira (PV/PSDB). Políticos, com raras exceções, buscam se eleger para fazer carreira de enriquecimento.
Casamento gay, não tenho nada contra, é tão pessoal! Foi publicada uma entrevista comigo dizendo que eu ia incluir lésbicas no livro. Não foi bem o que eu disse. Se algum casal de lésbicas estiver no contexto e quiser entrar, eu não teria nada contra. Quanto à liberação das drogas, tenho dúvidas.
Nunca. Nunca fumei nem maconha. Mas não sou contra experimentar. Não fumei porque não aconteceu. Mas no meu tempo já havia filinhas nas portas do banheiro.
Desse assunto eu não quero falar. Por favor, não toque (em referência ao affair com Francisco Catão, que resultou no filho Álvaro).
É, eu fui julgada mas tive um tratamento muito digno, privilegiado, não me afetou o status social, as minhas amizades. Mas este é um assunto que não devia ter saído do segredo de Justiça. E como eu acho que é um assunto que nunca poderei explicar, não gosto de falar.
Não. Até hoje ela (Ângela Catão, viúva de Francisco) não permitiu que ele (Álvaro) fizesse o exame de paternidade. E ela ficou com todos os bens, então ela tem um poder financeiro enorme
Não toque neste assunto, não gostaria que fosse publicado, mas agora está em última instância o direito que meu filho tem de fazer o teste.
Escreva apenas que é um assunto que eu não gosto de comentar, que espero que a Justiça faça justiça. Não quero ser julgada. Não julgo ninguém. As pessoas têm de ter direito à privacidade, de conduzir a vida como acharem melhor.
Já pensei no assunto, já fui convidada, mas estou criando coragem. O problema é que para escrever um livro interessante é preciso fazer grandes revelações, e isso é um preço a pagar. Não sei se teria coragem.
Nunca fiz análise, acho que meu alicerce vem de uma infância muito feliz. Sempre encontrei coragem para mudar, para superar. Eu pretendia ser arquiteta, mas a minha família resolveu que eu tinha que fazer era um curso de dona-de-casa e me puseram na escola de duas francesas para aprender a cozinhar, varrer, costurar, tudo. Então, casar era meu destino. Por que Deus me deu essa coragem para mudar, não sei.
Era sim. Eu tinha uma vida muito agradável com o Álvaro, fui muito feliz com ele, nos entendíamos muito bem, nos respeitávamos. Depois, em 1972, eu me apaixonei e me divorciei dele e fui embora para a Europa. Fiquei casada com François Gaubin-Daudé durante oito anos. Separei. Mudei para Nova York e comecei a trabalhar como decoradora. O pior golpe foi a perda de um filho (Antonio), vítima de câncer de pele. Esse sim foi um golpe terrível, muito triste. A vida não é só rosas.
Não. Não mudaria nada da minha vida. Todas as fases foram aceitas e bem vividas.
Não, não. Não tenho sentimento de culpa porque acho que o que tenho eu não procurei, me foi dado. E eu trabalhei também. Acho que a gente não pode salvar o mundo, infelizmente. Tem que aceitar as falhas e as dádivas.
Isso me aflige. Todos dizem para eu não dar dinheiro para os meninos que vendem bala. Mas eu não tenho coragem de negar. Pelo menos eles estão fazendo esforço para vender a balinha, em vez de me assaltarem. Mas sou fatalista, acho que se acontecer é porque tinha que acontecer.