Ícone do jet set carioca, Lourdes Catão quer modernizar o livro Sociedade brasileira e diz não ter sido crucificada ao confirmar que teve um filho com o cunhado

Lourdes Catão recebe ISTOÉ, na manhã da segunda- feira 1º, como se estivesse indo para uma festa. Nas orelhas, brincos em forma de leopardos em brilhantes, da Cartier, se comunicam perfeitamente com a elegância da larga pulseira de brilhantes e pérolas Chanel. Impecavelmente vestida – as golas rocambolescas da blusa Heckel Verri lhe dão um ar de camafeu –, é no detalhe do anel com pedra enorme que está um pouco de sua síntese: “Ele é de brincadeira”, avisa, como se dissesse que a vida não pode ser levada só a sério.

Lourdes foi casada com o empresário catarinense Álvaro Catão, cuja família era dona de negócios em vários setores, como mineração, indústria química e portuária, e teve três filhos, Álvaro Luiz, Isabel (que hoje usa o sobrenome Klabin) e Antonio, que faleceu em 2004, de câncer de pele. Freqüentou as festas mais glamourosas e seletas da alta sociedade brasileira nas décadas de 50 e 60. Mas a carioca de sorriso largo e educada para ser uma dócil esposa virou a mesa em 1972 ao se divorciar para viver uma paixão pelo playboy francês François Gaubin-Daudé. A revolução mesmo veio depois. Após a morte de seu ex-marido Álvaro, no fim da década de 90, e do irmão dele, Francisco, em 2001, o high society em peso pediu sais: Lourdes confirmou que seu primogênito Álvaro Luiz era filho do cunhado Francisco, e não do marido Álvaro. Até hoje, entretanto, o teste de paternidade não foi realizado devido a trâmites burocráticos articulados pelos advogados da viúva de Francisco, Ângela Catão. Ela seria a única herdeira da fortuna de mais de US$ 10 milhões, pois Francisco não deixou outros descendentes.

Com a credencial de quem entende de alta sociedade como poucos, Lourdes está assumindo a publicação do livro Sociedade brasileira, uma lista dos bacanas cariocas que era editado por sua irmã, Helena Gondim, falecida no ano passado. Para ela, quem dita as regras sociais hoje é a classe média alta. E não basta ser rico ou poderoso para entrar em suas páginas. O presidente Lula, por exemplo, é considerado sem gabarito para tanto. Lourdes fala inglês, francês, italiano e espanhol muito bem, sempre em voz baixa, como convém às pessoas verdadeiramente finas. De modo geral, arremata as frases com um sorriso, mesmo quando corta quase cruelmente. “Sabia que nos Estados Unidos não perguntam a idade porque sabem que é falta de educação?”, responde, diante da indagação. Ela está com 79 anos, mas, definitivamente, não aparenta.

ISTOÉ – A sociedade, no sentido de high society, mudou?
Lourdes Catão

Muito. Hoje, a sociedade é composta de várias classes representativas, como artistas, esportistas, pessoas que se destacam socialmente. É mais vasta, menos fechada. Grupo high society ficou démodé, brega. Não existe mais festa com grupinho de elite. Há prazer em conviver com pessoas de outros grupos que abrem novas idéias, novos horizontes.

ISTOÉ – Qual a importância de sobrenome, dinheiro e poder?
Lourdes Catão

Hoje, é mais questão de comportamento social do que de linhagem. Linhagem conta, evidentemente, mas conta mais quem se sobressai socialmente – de forma positiva, claro. Já o poder é mais complicado. Só poder não abre entrada no livro. Há políticos muito poderosos, mas com comportamento social não aceitável.

ISTOÉ – O presidente da República é muito poderoso. Lula tem perfil para este livro?
Lourdes Catão

 Para mim, não tem.

ISTOÉ – Por quê?
Lourdes Catão

Porque eu acho que ele… Ah, não posso falar porque posso acabar presa ou com meu telefone grampeado… Hoje estamos quase numa ditadura. Os ministros do Supremo não foram grampeados?

ISTOÉ – Quem não está no livro e poderia?
Lourdes Catão

Minha idéia é incluir pessoas de tevê, cinema, esporte. Kaká é um nome. Já Romário é mais discutível pelos antecedentes. Artistas como Fernanda Montenegro, Tarcísio Meira e Glória Menezes, Marília Pêra, apresentadores, como Jô Soares, Hebe Camargo, Marília Gabriela, Angélica e Luciano Huck. Porque são pessoas procuradas socialmente e este livro não é literatura, é um livro informativo. É um livro de busca. E penso em fazer, talvez, uma edição só para São Paulo.

 

ISTOÉ – ISTOÉ ? A sociedade hoje é menos interessante?
Lourdes Catão

Certamente, as pessoas têm medo de aparecer. Nossa geração vivia the age of innocence – a época da inocência. Porque ninguém tinha medo, nos vestíamos como queríamos, usávamos as jóias que queríamos, sem medo de ser feliz. Isso acabou.

ISTOÉ – Que classe social dita os costumes hoje?
Lourdes Catão

A classe média alta. Em especial, a de São Paulo, que é mais extensa e rica. Então, o que conta numa sociedade hoje é a classe média alta e não mais a classe rica.

ISTOÉ – Quando a sra. olha para trás, acha que teve comportamento típico de elite?
Lourdes Catão

Tinha, tinha sim. E a vida me ensinou muita coisa. Eu trabalhei como decoradora nos Estados Unidos, me dei bem nessa atividade. Verdade seja dita, eu sempre quis muito trabalhar, mas o Álvaro não permitia. Não era aceitável que a mulher de um empresário como ele trabalhasse.

ISTOÉ – O que a sra. fazia o dia inteiro?
Lourdes Catão

Eu recebia muito e saía muito. Portanto, tinha todo o trabalho decorrente disso: ia muito ao cabeleireiro, comprava muito alta-costura, viajava. E cuidava dos meus filhos, vivia agarrada com eles, além da casa grande que tínhamos na Urca.

ISTOÉ – Então ser bonita e estar apresentável era muito trabalhoso.
Lourdes Catão

Ainda é. Mas eu gosto de estar bem para mim. Se engordo, faço uma dieta. Continuo fazendo esforço para estar dentro dos meus padrões. Caminho, faço hidroginástica, não como frituras, carne só uma vez por semana. Bebo socialmente e só champanhe e vinho.

ISTOÉ – A sra. está com…
Lourdes Catão

Estou com muita idade, não vou dizer não. Sabe que nos Estados Unidos você tem direito de dizer sua idade ou não? E ninguém pergunta porque é falta de educação perguntar idade.

ISTOÉ – Desculpe.
Lourdes Catão

Mas aqui perguntam, eu sei. Vou te dizer: tenho 79 anos.

ISTOÉ – Dá para ser chique nas grandes cidades hoje?
Lourdes Catão

Tem de saber jogar; uma peça é verdadeira, a outra é de brincadeira. E tem de ter despreendimento: se roubarem, roubaram, faz parte. E recorrer a alternativas como colares de contas, sementes, pedras semipreciosas, brincos de osso grandes. Brincadeiras também valem, como um relógio de Mickey Mouse. É uma maneira de sair do clássico pesado e de se modernizar um pouco.

ISTOÉ – A sra. vai votar nas próximas eleições?
Lourdes Catão

Não tenho mais necessidade de votar. Se votasse, escolheria o Fernando Gabeira (PV/PSDB). Políticos, com raras exceções, buscam se eleger para fazer carreira de enriquecimento.

ISTOÉ – Gabeira já defendeu a legalização do consumo de drogas e defende a união civil entre homossexuais. A sra. também?
Lourdes Catão

Casamento gay, não tenho nada contra, é tão pessoal! Foi publicada uma entrevista comigo dizendo que eu ia incluir lésbicas no livro. Não foi bem o que eu disse. Se algum casal de lésbicas estiver no contexto e quiser entrar, eu não teria nada contra. Quanto à liberação das drogas, tenho dúvidas.

ISTOÉ – A sra. já experimentou drogas?
Lourdes Catão

Nunca. Nunca fumei nem maconha. Mas não sou contra experimentar. Não fumei porque não aconteceu. Mas no meu tempo já havia filinhas nas portas do banheiro.

ISTOÉ – Vou tocar em um assunto…
Lourdes Catão

Desse assunto eu não quero falar. Por favor, não toque (em referência ao affair com Francisco Catão, que resultou no filho Álvaro).

ISTOÉ – Mas a sra. foi julgada e, entretanto, não foi crucificada. Contou com a condescendência das pessoas.
Lourdes Catão

É, eu fui julgada mas tive um tratamento muito digno, privilegiado, não me afetou o status social, as minhas amizades. Mas este é um assunto que não devia ter saído do segredo de Justiça. E como eu acho que é um assunto que nunca poderei explicar, não gosto de falar.

ISTOÉ – Ficou tudo bem?
Lourdes Catão

Não. Até hoje ela (Ângela Catão, viúva de Francisco) não permitiu que ele (Álvaro) fizesse o exame de paternidade. E ela ficou com todos os bens, então ela tem um poder financeiro enorme

ISTOÉ – Até quando?
Lourdes Catão

Não toque neste assunto, não gostaria que fosse publicado, mas agora está em última instância o direito que meu filho tem de fazer o teste.

ISTOÉ – É que é muito difícil não tocar neste assunto
Lourdes Catão

Escreva apenas que é um assunto que eu não gosto de comentar, que espero que a Justiça faça justiça. Não quero ser julgada. Não julgo ninguém. As pessoas têm de ter direito à privacidade, de conduzir a vida como acharem melhor.

ISTOÉ – ISTOÉ ? Pretende escrever sua biografia?
Lourdes Catão

Já pensei no assunto, já fui convidada, mas estou criando coragem. O problema é que para escrever um livro interessante é preciso fazer grandes revelações, e isso é um preço a pagar. Não sei se teria coragem.

ISTOÉ – A sra. sempre dá a volta por cima. Já fez análise? De onde tira sua força?
Lourdes Catão

Nunca fiz análise, acho que meu alicerce vem de uma infância muito feliz. Sempre encontrei coragem para mudar, para superar. Eu pretendia ser arquiteta, mas a minha família resolveu que eu tinha que fazer era um curso de dona-de-casa e me puseram na escola de duas francesas para aprender a cozinhar, varrer, costurar, tudo. Então, casar era meu destino. Por que Deus me deu essa coragem para mudar, não sei.

ISTOÉ – A sra. não era feliz?
Lourdes Catão

Era sim. Eu tinha uma vida muito agradável com o Álvaro, fui muito feliz com ele, nos entendíamos muito bem, nos respeitávamos. Depois, em 1972, eu me apaixonei e me divorciei dele e fui embora para a Europa. Fiquei casada com François Gaubin-Daudé durante oito anos. Separei. Mudei para Nova York e comecei a trabalhar como decoradora. O pior golpe foi a perda de um filho (Antonio), vítima de câncer de pele. Esse sim foi um golpe terrível, muito triste. A vida não é só rosas.

ISTOÉ – Mudaria algo de seu passado se pudesse?
Lourdes Catão

Não. Não mudaria nada da minha vida. Todas as fases foram aceitas e bem vividas.

ISTOÉ – A sra. é religiosa? Sente algum tipo de culpa?
Lourdes Catão

Não, não. Não tenho sentimento de culpa porque acho que o que tenho eu não procurei, me foi dado. E eu trabalhei também. Acho que a gente não pode salvar o mundo, infelizmente. Tem que aceitar as falhas e as dádivas.

ISTOÉ – Mas há muita miséria em volta…
Lourdes Catão

Isso me aflige. Todos dizem para eu não dar dinheiro para os meninos que vendem bala. Mas eu não tenho coragem de negar. Pelo menos eles estão fazendo esforço para vender a balinha, em vez de me assaltarem. Mas sou fatalista, acho que se acontecer é porque tinha que acontecer.