Mirar-se no exemplo da Nigéria deveria ser exercício obrigatório no Brasil do pré-sal. O Atlântico pode separar no mapa os dois países. Mas a história, nem tanto. Ela também foi um pólo vigoroso do comércio internacional de escravos africanos – no caso, como exportadora de ódios tribais sob a forma de mercadoria humana. Tem um futebol que acaba de ganhar medalha de prata, numa Olimpíada da qual os brasileiros voltaram trazendo bronze. Sem falar que é rica em petróleo.

Antes que ele jorrasse na política nigeriana, andou por lá o repórter polonês Ryszard Kapuscinski, legendário correspondente de guerras civis e revoluções no fim do mundo. Ele viu em 1966 a Nigéria sair diretamente do colonialismo britânico para as mãos de jovens militares, “que brigavam entre si e estavam sempre dispostos a sacar suas pistolas”. Encontrou o país previamente rachado entre uma elite formada pelos ingleses e a maioria movida a vinditas étnicas. Ambas dis pu tavam à bala o governo. E nenhuma estava disposta a deixar que a outra a governasse. Iniciava- se a interminável série de gol pes, que condenaria sua história a estar sempre recomeçando.

Mas Kapuscinski anotou que, naquele tempo, a Nigéria estava nas mãos de valentões de gostos modestos e vida simples, “qualidades de todos os oficiais daqui”. Isso, claro, até que entrasse no jogo a dinheirama do petróleo. A partir de 1970, a arma mais poderosa do front interno passou a ser a corrupção. E seu dreno levaria o país em 20 anos a um acordo com o FMI, rendido por uma dívida externa que consumia de alto a baixo o orçamento do governo federal, mesmo com o petróleo gerando US$ 20 bilhões por ano.

Na última década do século XX, a Nigéria estava produzindo recordes mundiais de cleptomania, como Ibrahim Babangiba, acusado de desviar dos cofres públicos US$ 12 bilhões, e Sani Abacha, que saiu do governo com US$ 5 bilhões depositados em contas nominais espalhadas nos bancos europeus. E, nesta primeira década do século XXI, uma conta oficial orçou em 100 mil barris a cota de roubo diário nas exportações de petróleo nigeriano. Ainda sumiam, três anos atrás, 40% de sua produção. E essa percentagem representava um enorme progresso, diante dos anos 90, quando a perda beirava 70%. O vazamento do tesouro ocorria principalmente no trânsito das verbas públicas pelas administrações locais, numa federação pulverizada por quase 700 feudos administrativos, que se dedicam a gastar a maior parte de seus recursos em projetos megalomaníacos de obras tão inúteis que eles nem se dão ao incômodo de fazê-las. As verbas de viagem de governadores ultrapassam US$ 90 mil por dia.

O resultado de tamanha malversação aparece, como sempre, em escolas sucateadas, postos de saúde sem médicos ou remédios e subnutrição no interior. Mas transformou Lagos num inigualável laboratório de sua patologia. A capital da República é hoje uma cidade de 15 milhões de habitantes, engrossada anualmente por 600 mil imigrantes, onde vale rigorosamente tudo. Nela se trafica qualquer coisa, a começar por gente e proteção contra a violência, um dos grandes negócios da megalópole nigeriana. Tudo isso graças ao impulso do petróleo, que empurrou a Nigéria para a frente antes que ela decidisse aonde queria ir.