Foi se apresentando em praças e parques, e passando o chapéu, que a Cia Teatral ManiCômicos, de São Paulo, começou a mostrar seu talento. Sem patrocínio, os artistas iam em busca de público na rua. “Às vezes, arrecadávamos menos de R$ 1. Mas era o nosso pagamento e tinha que ser valorizado”, diz o ator Juliano Pereira, formador do grupo. O brilho de curiosidade no olhar da assistência era o que mais os motivava. “Em pleno domingo, pessoas e crianças ávidas pelo espetáculo largavam a televisão e enchiam a rua”, conta ele. Essa fome de cultura em locais onde a realidade afugenta qualquer sonho levou o grupo a organizar apresentações em escolas. A idéia deu origem ao projeto Arte por Toda Parte, que hoje oferece oficinas e aulas de teatro a meninos e meninas de Cidade Ademar, Parelheiros e Santo Amaro, na zona sul de São Paulo. Com o apoio da Secretaria Municipal de Educação, o projeto cresceu. Só em 2004, as oficinas envolveram 21 instituições e mais de 500 alunos da rede de ensino municipal e culminaram na 4ª Mostra de Teatro das Escolas Municipais da Região Sul, realizada em outubro e novembro. As últimas apresentações foram feitas no dia 20, no teatro do Sesc Interlagos, e 21, no Colégio Friburgo, em Santo Amaro.

O grupo ManiCômicos atua em áreas em que as pessoas estão há quilômetros de distância de um espaço cultural. A maioria das famílias nunca foi a um teatro. “Um senhor de quase 80 anos veio assistir a uma apresentação e perguntou quando ia começar a projeção. Disse a ele que era teatro. Ele perguntou: como assim?”, lembra Pereira. Mas, no projeto, não é exatamente o produto final que interessa, e sim a oportunidade de aproximação dessas pessoas com a arte. “É uma dificuldade trazer este tipo de atividade para estes bairros. Acham que Parelheiros é o fim do mundo. Aqui há uma população de 103 mil pessoas. O importante é que esse trabalho estimula a pesquisa e a valorização da cultura local. As crianças levam a experiência simbólica para o dia-a-dia e se tornam multiplicadores espontâneos”, aponta Luci Godinho, diretora da coordenadoria de Educação de Parelheiros.

Nas aulas de uma hora e meia, que acontecem uma vez por semana, são trabalhados temas de interesse social e de fortalecimento da identidade, com lendas do imaginário popular, histórias familiares ou a importância da água. “É tocante ver a interação das crianças com a linguagem
teatral. Elas resgatam a capacidade de sonhar e de criar, pouco estimulada pelo ambiente em que vivem”, completa Márcio Rodrigues, 29 anos, também ator-professor. Pode-se perceber que Beatriz Canuto, de oito anos, passa por esse processo. Na peça que sua turma montou na Escola Municipal Manuel Vieira de Queiroz Filho, de Parelheiros, ela faz um dos peixes da lagoa que morrem com a poluição ambiental. Tímida e a mais nova da turma, não fala muito no papel, mas já dá palpites nos ensaios.

Surpreendentes são as oficinas da Escola Municipal de Educação Especial Anne Sullivan, em Santo Amaro, que atende crianças e adolescentes surdos-mudos. Onze alunos de 16 a 25 anos que participam da educação de jovens e adultos descobriram que são capazes de montar uma peça teatral para um público comum. “Na ação cênica, a fala é um complemento. Eles usam o corpo para contar a história”, explica o ator Fábio Resende, 27 anos, que desde março orienta a turma. Ele não conhecia nada da Linguagem Brasileira de Sinais (Libras) e aprendeu com os alunos. “No começo, usei uma intérprete, mas depois nos afinamos”, relata. O teatro fez estes alunos pensarem em formas de diminuir a exclusão que sentem no mundo dos ouvintes. “Os outros deveriam conhecer a nossa língua. Podemos usar o teatro para divulgar a Libras”, expressa Edson, 18 anos.