Mas, para que isso seja possível, é preciso, primeiro, identificar as diferenças. E é a esta tarefa que centenas de pesquisadores estão se dedicando. Trata-se de um esforço recente, motivado pelo fato de as mulheres só terem entrado para valer no mundo dos esportes há poucas décadas. “Historicamente, a prática de exercícios físicos pelas mulheres é um fato novo. Antes, apenas os homens competiam e se exercitavam”, lembra Raul Santo, do Centro de Medicina Esportiva da Universidade Federal de São Paulo.

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Isso explica por que, até hoje, a maioria dos parâmetros usados para balizar a atividade física toma como referência o homem. Porém, o que está se descobrindo é que é preciso realmente separar as coisas, como fizeram os cientistas que criaram a fórmula de frequência cardíaca máxima para mulheres. Outras linhas de investigação chegam à mesma conclusão. David Rowland, da Universidade Massey, na Nova Zelândia, por exemplo, descobriu que a reposição de proteínas após os treinos pode não ser tão eficiente para elas. Em 2008, ele avaliou ciclistas do sexo masculino para investigar qual seria a melhor nutrição depois do exercício. Observou um ganho de desempenho em torno de 4% naqueles que consumiram só proteínas depois do esforço. O nutriente ajuda a absorção dos carboidratos e é indispensável para reparar as lesões musculares após o exercício árduo. Entretanto, em maio deste ano, um estudo publicado na revista “Medicine and Science in Sport and Exercise” mostrou que o organismo feminino reage de modo diferente. “Fiz nova avaliação porque recebi uma solicitação de ciclistas do sexo feminino. O resultado foi surpreendente”, disse Rowland à ISTOÉ. Ele constatou que as mulheres que consumiram apenas proteínas após o esporte sentiram suas pernas mais cansadas do que as que receberam carboidratos.

O mesmo fato pode se dar com a estratégia de carbo-loading, a ingestão de boas quantidades de carboidrato nos dias que antecedem uma competição. A lógica é oferecer ao corpo uma grande reserva de combustível – o nutriente é o maior fornecedor de energia do organismo – para que ele tenha ótimo desempenho na prova. Mas o que a ciência está demonstrando é que o plano funciona bem para eles. Para elas, nem tanto. “As mulheres parecem não se beneficiar dessa estratégia”, disse à ISTOÉ Mark Tarnopolsky, da McMaster University Medical Center, do Canadá, um dos maiores estudiosos do assunto do mundo.

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Nas competições, quadras e academias, enquanto não houver um estudo conclusivo, prevalece a reposição equilibrada de carboidratos e proteínas antes e depois do esporte. De modo geral, elas precisam comer menos e treinar mais. “E os homens necessitam ingerir cerca de 30% mais proteínas do que as mulheres para regenerar a musculatura”, diz a nutricionista Suzana Bonumá, do Hospital das Clínicas de São Paulo. Para planejar os aportes necessários de nutrientes com a finalidade de garantir energia sem aumentar o peso, os nutricionistas consideram também o tipo de modalidade praticada. “Se for uma prova de resistência, como a corrida, o homem precisa de mais carboidratos. Eles também transpiram mais e devem ingerir cerca de 15% mais água”, diz a nutricionista Tânia Rodrigues dos Santos, da RG Consultoria Nutricional.

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DOSES CERTAS
O tenista Gustavo Dauar, 36 anos, de São Paulo, registrou uma queda de desempenho na fase em que a nutricionista restringiu sua dose de carboidratos para que ele emagrecesse. “Perdi potência no jogo”, conta. Agora, já no peso certo, se permite jantar antes das disputas. Nos dias que só faz musculação, tem direito a apenas 30 gramas de proteínas após a atividade

A raiz de grande parte das diferenças está nos hormônios. Eles são regidos pela testosterona, o hormônio que determina as características masculinas. Elas, pelo estrogênio, responsável pelas marcas femininas. A ação dessas substâncias influencia diretamente na sua composição celular. A testosterona determina que, durante sua diferenciação, as células se tornem músculos. Já o estrogênio as transforma em tecido adiposo. “Como resultado, a mulher tem 10% mais gordura”, explica Mauro Guiselini, diretor do Instituto Runner.

Há uma explicação evolutiva para essas características. “A quantidade maior de músculos servia para ajudar o homem a enfrentar as ameaças de ambientes hostis e situações nas quais necessitava lançar mão da força”, diz a endocrinologista Ruth Clapauch, membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia. Já a presença de maiores reservas de gordura no organismo da mulher, decorrentes da ação do estrógeno, é uma garantia de que, durante a gravidez, mãe e filho tenham estoques suficientes de energia para sobreviver até em circunstâncias de escassez de alimento.

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RECEITA EQUILIBRADA
Três vezes por semana, a bancária Juliana Angrisani, 28 anos, busca o equilíbrio no seu treino. Faz spinning, para ajudar na queima de gordura, prevalente nas mulheres, e exercita-se nos aparelhos, para fortalecer os músculos. “Meu objetivo é perder gordura e ficar mais forte”

O conjunto das informações reunido até agora está levando a novos comportamentos. Antes, as oscilações de humor durante a fase pré-menstrual nem sequer eram consideradas pelos professores. “Hoje sabemos que a mulher requer uma atenção diferenciada nesse período”, diz Edmilson Kawanaka, da academia Competition, em São Paulo. Isso se repete em várias modalidades. Viviane Matero, educadora física e professora do Projeto Mulher, em São Paulo, também reduz a intensidade do treino das suas corredoras no período menstrual. “Elas ficam menos dispostas”, diz. Por outro lado, Viviane observa que a mulher tem mais estabilidade emocional para provas que exigem resistência. “Elas reclamam menos e aguentam fazer força por mais tempo”, afirma a treinadora.

Também foi derrubado de vez o preconceito de que musculação não serve para mulher e de que exercícios aeróbicos não precisariam ser feitos com tanta vontade pelos homens. “Mais massa muscular, para a mulher, garante que seu organismo consuma maior quantidade de calorias, o que ajuda a emagrecer”, explica Saturno de Souza, coordenador técnico da rede de academias Bio Ritmo. Para eles, os exercícios aeróbicos reduzem os riscos cardíacos a que estão normalmente mais expostos do que as mulheres – lembrando, é claro, que essa atividade também contribui para a saúde cardiovascular feminina.

Já se sabe ainda que, se a musculatura do tronco e da região abdominal costuma responder bem aos exercícios feitos pelos dois sexos, a dos braços responde melhor nos homens. Por isso, passou-se a dar mais atenção aos exercícios dirigidos aos braços das mulheres para que elas também consigam resultados. Junto a essas mudanças, está ainda o respeito ao limite de cada um. “De uma maneira geral, as mulheres têm uma capacidade de rendimento equivalente a 85% do homem”, lembra Nélio Moura, treinador da medalhista brasileira Maurren Maggi e com experiência no treinamento de homens e mulheres. “Essas diferenças são levadas em consideração quando é dada a progressão de cargas e volume de treinos”, afirma Eduardo Mourelle, do projeto Espaço Stella Torreão, do Rio de Janeiro. Maurren segue essa cartilha à risca. “Treino dentro dos meus limites, sem ultrapassá-los para evitar lesões”, diz a campeã.


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