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AMERICANOS
Maradona portou-se como um pândego;
Bielsa, do Chile, fez juz ao apelido “Loco”;
o brasileiro Dunga mostrou descontrole no banco de reservas

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Dunga é um técnico linha-dura. Gosta de impor ordem, silêncio e abstemia sexual no estilo das casernas. Certamente se daria muito bem com um dos mais conceituados psicanalistas comportamentais ingleses se pudessem ambos voltar, digamos, ao mundo dos vivos – Wilfred Bion, famoso psiquiatra militar na Segunda Guerra Mundial, teria de retornar porque morreu biologicamente em 1979; Dunga, não tão famoso ex-técnico da Seleção Brasileira, teria de ressuscitar porque faleceu esportivamente na África do Sul no dia 2 de julho de 2010. Como se vê, há mortes e mortes, e Bion tratou disso: se a perda de uma batalha implicar a perda da guerra, ainda que o durão general derrotado sobreviva, é como se tivesse morrido. Mais: Bion foi o grande formulador da Teoria dos Grupos, e Dunga aprenderia muito com ele. Aula inaugural: “em grupos muito fechados”, o líder se comporta como se fosse “onipotente” e “onisciente”, atributos próprios dos deuses. Quaisquer críticas ou sugestões, quaisquer pessoas que o ameacem em seu poder são “rechaçadas, desdenhadas ou menosprezadas”. Segunda aula do psiquiatra: quando o general quer brilhar mais que os soldados, perdem-se batalhas, guerras e glórias. Se o primeiro ensinamento calça feito luva em Dunga, o segundo vale não somente para ele, mas também para diversos técnicos que estiveram capitaneando suas seleções na Copa do Mundo de 2010. E, igualmente importante, treinadores quando se tornam mais notícia e são mais filmados e fotografados do que os jogadores por causa das suas atitudes espalhafatosas e histriônicas, é porque alguma coisa anda torta. Torta, de início, na cabeça desses técnicos; e, consequência disso, tudo fica entortado com os jogadores em campo.

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EUROPEUS
Domenech, da França, (esq.),
Capello, da Inglaterra (centro) e
Lippi, da Itália: brigas com os atletas

“Em uma sociedade globalizada e horizontal como a que vivemos, o líder contagia pela ressonância e não pelo medo nem pela teatralidade. Muitos técnicos erraram na forma de agir”, diz Jorge Forbes, um dos mais renomados psicanalistas brasileiros. Ele se refere, diretamente, ao espetaculoso elenco integrado por Dunga e companhia: ao técnico chileno Marcelo Bielsa (que leva o sugestivo apelido de “Loco”), ao argentino e nosso velho conhecido pândego Diego Maradona (ganha ponto porque pelo menos é engraçado, até fisicamente), aos treinadores da França, Itália e Inglaterra, respectivamente, os destrambelhados Raymond Domenech, Marcello Lippi e Fabio Capello – esse goleando, no quesito salário, os demais 31 técnicos: ganha anualmente cerca de R$ 20 milhões. Todos eles brigaram com um ou outro jogador de seu próprio time, todos eles xingaram e recorreram a pérolas do vernáculo muito em voga nas peladas de presidiários nas cadeias, todos eles chutaram bancos de reserva, esmurraram o chão e o ar. “Imagine os jogadores, em campo, olhando o treinador a esmurrar a cobertura do banco. Desequilibra qualquer um”, diz o presidente da Associação Paulista de Psicologia do Esporte, João Ricardo Cozac. “Isso não adianta nada, não ganha jogo”, diz o ex-técnico da Seleção Brasileira Carlos Alberto Parreira, que na Copa treinou a África do Sul e se viu com a mão direita vazia, em vão estendida, quando foi cumprimentar o arrogante e pernóstico Domenech. “Ele foi a caricatura do francês mal-humorado e deseducado”, diz Forbes. A provar que Parreira está certo, as seleções que galgaram as etapas finais do campeonato foram orientadas por técnicos discretos e avessos ao vedetismo: Vicente Del Bosque (Espanha), Oscar Tabares (Uruguai), Bert van Marwijk (Holanda) e Joachim Löw (Alemanha).

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FINALISTAS DISCRETOS
Del Bosque, da Espanha (esq.), e Bert van Marwijk, da Holanda

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Pode-se falar do cacoete de Löw em meter o dedo no nariz nos momentos tensos. Tudo bem, não é nada higiênico, mas ainda assim é mais asséptico do que as palavras que Dunga pronunciou, microfone aberto, sobre um repórter de televisão – e o Brasil ganhara da Costa do Marfim naquele dia. Na verdade, falando-se em Dunga e em repórteres, talvez o psiquiatra Bion, entusiasta das constituições de países democráticos, pudesse lhe ensinar um outro ponto: informar a imprensa e deixar os jogadores e seus familiares falarem livremente com jornalistas, coisa que ele tesourou, não é nenhuma concessão, é obrigação – a censura, Dunga, foi sepultada, assim como sepultou-se o partido político Arena, drible parlamentar da ditadura militar para se fingir democrática e ao qual pertenceu o seu padrinho esportivo Emídio Perondio. Ainda sobre a lei da mordaça, ela é reflexo do personalismo do técnico: só ele falava, só ele aparecia, nunca os jogadores – fez-se representante único do Brasil até em fotos com crianças pobres em Soweto. “Dunga não percebeu que a Seleção é do Brasil, não dele”, diz Forbes. “O grupo pautou-se pela ideia de que, fora dele, todos eram inimigos”, diz Sérgio Nick, diretor da Federação Brasileira de Psicanálise.

Antes da Copa, quando era esperança, durante a Copa, quando foi espalhafato, e depois da Copa, quando é espanto, Dunga se valeu e se vale exaustivamente da palavra “ordem”: pôs ordem na casa, houve ordem na equipe, nada saiu da ordem – é de fato uma bela expressão, ele só esquece que na sequência da palavra “ordem” vem a palavra “progresso”. E isso não houve. Não se tome, no entanto, tão somente Dunga para Cristo. Na quarta-feira 7, rolava na CBF que o lugar-tenente de Dunga, o auxiliar técnico Jorginho, devoto da Igreja Congregacional, fora o mentor da linha dura. A rigor, seu passado no time do América, no Rio de Janeiro, o absolve junto aos fiéis de sua crença, mas o condena no campo do bom-senso: tradicionalmente o América tem como símbolo um simpático diabinho, Jorginho teimava em substituí-lo pela deusa Fênix. No caso da Seleção, porém, é difícil crer que Dunga, sendo Dunga, se deixasse influenciar por Jorginho, e o mais provável é que os dois comunguem as mesmas concepções. Eles se entendem.

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JORGINHO E O DIABO
O religioso auxiliar de Dunga quis exorcizar o mascote do América

Desentendimentos, se não houve na África, houve cá na volta. Em algum instante, Jorginho delirou que a comissão técnica poderia prosseguir empregada, alucinação própria da natureza humana quando ela é ambiciosa demais e talentosa de menos. Dizem que Jorginho deu uma bola fora quando inflou Dunga de que todos poderiam seguir juntos rumo à Copa de 2014 aqui no Brasil, e por isso o ex-técnico de um instante para o outro viu-se de novo técnico, isso quando já pisava o Rio Grande do Sul sob os aplausos de alguns conterrâneos. Ele disse que iria definir seu futuro com o presidente da CBF, Ricardo Teixeira, assim que o campeonato acabasse. A petulância desembarcou rapidinho na África nos ouvidos de Teixeira, que então o demitiu por telefone e, a seguir, através do site da CBF. Em três linhas, Dunga estava despedido. Em 35 linhas e abusando de expressões com o final “ente” na abertura de parágrafos (“infelizmente”, “lamentavelmente”), Dunga respondeu à carta afirmando que “acato a decisão” e que “não cabe a mim questioná-la, na medida em que essa é a prática, de longa data, adotada no futebol”. Saiu como entrou: arrogante e de cara amarrada, cara daqueles que só olham para o próprio umbigo – e, com todo o respeito, convenhamos Dunga que havia, ainda que fosse em foto ou pela televisão, a bela paraguaia Larissa Riquelme para olhar, celular e carregador abrigados entre os seios.
Colaboraram Bruna Cavalcanti e Wilson Aquino

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