Ninguém discute os avanços que o Brasil obteve nos últimos anos com relação à Aids. O programa nacional de combate à doença tornou-se um exemplo no mundo por conseguir vitórias importantes. Uma delas é disponibilizar na rede pública os remédios de ponta usados contra a enfermidade. Progressos como esses devem ser comemorados na quarta-feira 1º, Dia Mundial de Luta contra a Aids.

Apesar dos méritos alcançados, existem obstáculos a vencer. Um dos principais reside na imensa dificuldade de se fazer um diagnóstico rápido da doença. Até hoje, muitos doentes são informados da enfermidade tardiamente. Eles peregrinam por consultórios médicos apresentando sintomas causados pela presença do HIV, mas muitos especialistas não desconfiam. Tratam o problema de saúde que está ali, aparente. Pode ser uma pneumonia, uma dor de cabeça persistente ou uma infecção de pele, por exemplo – algumas das doenças que podem aparecer quando se é portador do vírus. Isso acontece porque ele mina as defesas do organismo. Com as sentinelas em baixa, o doente fica suscetível aos mais variados males.

Não há dados concretos sobre o assunto. As constatações são observadas na prática clínica de infectologistas acostumados a tratar a doença. A chegada  de pacientes que demoraram a ter o diagnóstico é frequente no consultório  do médico paulista Caio Rosenthal, por exemplo. Foi de tanto atender casos  assim que ele, junto com a infectologista Vera Moraes, lançou o guia Informações e atualização, dirigido aos médicos e distribuído pelo laboratório Bristol-Myers  Squibb em consultórios e hospitais. No livro, os dois especialistas listam as doenças que podem estar relacionadas ao HIV. O objetivo é alertar os médicos não especialistas a suspeitar da eventual presença do vírus. O manual apresenta as principais manifestações clínicas de acordo com a especialidade médica.

Há vários motivos que colaboram para que a descoberta da doença demore a acontecer. O principal é a falta de informação. Existem profissionais que desconhecem as doenças de sua especialidade ligadas à Aids. Outros têm conhecimento, mas se sentem constrangidos em pedir o teste. “Eles têm  receio de ofender os pacientes”, conta Rosenthal. Sem contar que mesmo hoje a questão da sexualidade muitas vezes não é abordada nas consultas.

O diagnóstico tardio é uma realidade presente em todo o País. No Ceará, a situação é verificada pelos infectologistas. Quem atesta é o médico Anastácio Queiroz, presidente da Sociedade Cearense de Infectologia. Para ele, o problema acontece porque os médicos formados por lá muitas vezes não têm tanto contato com pacientes soropositivos. Por isso, as chances de aprenderem sobre a
doença diminuem.

Há grupos nos quais o problema acontece com maior frequência. É o caso das mulheres. Dados do Ministério da Saúde entre 1996 e 2001 mostram que a mortalidade masculina caiu 8,6%, enquanto a feminina caiu apenas 4%. “Isso significa que as mulheres estão descobrindo mais tarde que estão contaminadas. Muitas vezes, quando isso acontece, não há muito a ser feito”, explica Celso Ramos Filho, infectologista da Universidade Federal do Rio de Janeiro. As gestantes também são atingidas. Uma resolução do Conselho Federal de Medicina obriga os médicos a pedir o teste de HIV para as futuras mães. A medida reduz as chances de o bebê ser infectado, já que o tratamento preventivo é iniciado na gravidez. Mas nem sempre a recomendação é seguida. Um estudo feito em 2002 pelo Ministério da Saúde analisou 228 maternidades de 150 cidades. O trabalho constatou que o exame foi prescrito para 65% de 95% das gestantes, e desse total somente 52% voltou para buscar o resultado. Preocupado com a situação, o governo lançou na semana passada uma campanha sobre a importância do teste.

Entre os idosos, muitos também são vítimas do problema. Uma tese de mestrado feita pela assistente social Mariana Aderaldo, defendida na Universidade Federal do Ceará, revelou que alguns profissionais de saúde de Fortaleza levantam poucas suspeitas de que os mais velhos possam ser portadores do HIV. Foram analisados oito pacientes do Hospital São José, na capital cearense. Metade tinha passado por vários especialistas antes de terem sua condição identificada. “Os médicos confundiam a Aids com doenças da terceira idade”, diz Mariana.

O governo prepara estratégias. No Amazonas, por exemplo, aumentará o número de centros para fazer o teste rápido para HIV (o resultado sai em 20 minutos). Quanto a campanhas de esclarecimento para os médicos, pelo menos por enquanto não há projeto em andamento. “Iniciativas como a do guia são bem-vindas. Mas nosso objetivo é investir na prevenção da doença”, diz Pedro Chequer, diretor do Programa Nacional de Aids.