Ainda bem que o vice-presidente e ministro da Defesa, José Alencar, o presidente do Senado, José Sarney e demais convidados não se esbaldaram de uísque e salgadinhos na longa espera de uma hora e 50 minutos para almoçar no Itamaraty com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente russo Vladimir Putin. Até porque a bebida servida foi uma cachaça autêntica de Salinas, a Sabor de Minas. O presidente Lula brincou com o visitante russo, que tem aversão a drinques fortes. “Hoje o brinde não será com champanhe. Nem com vinho. Embora o presidente Putin tenha dito que não ingere bebida de alto teor alcoólico, vamos comemorar a passagem dele pelo Brasil com uma cachacinha tipicamente brasileira”, disse Lula ao elevar a pequena taça de cristal. O presidente Lula ainda presenteou Putin com o DVD Pelé eterno. “Depois de ele dizer que o futebol russo é bom, considero-o duplamente um amigo”, concedeu Putin, que deixou Brasília na segunda-feira 22 rumo ao Rio de Janeiro. Mas o atraso no almoço produziu uma gafe. O filé mignon, servido especialmente a Putin para que ele se encantasse pela iguaria e acabasse de vez com o embargo à carne brasileira, chegou à mesa frio. E o esperado anúncio do governo russo simplesmente não aconteceu. “Ainda não deu, não deu”, repetiu o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, ao levantar-se de uma mesa em frente aos dois presidentes. A decepção é fácil de contabilizar. Por conta da suspensão das exportações de carne bovina, de frango e suína, realizada por Moscou em 21 de setembro, o Brasil perde diariamente US$ 4 milhões.

Na conversa entre os dois mandatários no gabinete da Presidência, Lula usou de outra tática para mostrar a Putin como o perigo da febre aftosa está longe das exportações. “Ele pegou Putin pelo braço e mostrou no mapa como a Amazônia é distante de Santa Catarina”, para deixar claro a distância entre o Norte, onde ocorre o foco de aftosa, e o Sul, de onde o Brasil exporta sua carne para a Rússia, contou o assessor internacional de Lula, o ministro Marco Aurélio Garcia. A aftosa não é o único impedimento da exportação de carne brasileira, que chega a 40% do comércio bilateral de US$ 2 bilhões. O governo russo se comprometeu a importar 78% de sua cota anual de 200 mil toneladas de carne por ano dos EUA e da União Européia em troca de apoio à entrada da Rússia na Organização Mundial do Comércio (OMC). Mas, se o impasse da carne não foi prontamente resolvido com Brasília – existe ainda a esperança de essa situação ser revertida com a inspeção de três veterinários russos que andaram pelo Brasil –, Moscou também não levou o que esperava. Na rápida passagem pelo estádio do Maracanã (sete minutos), o presidente Putin chutou a bola, mas a jogada foi verde-amarela. O Brasil não disse nem sim nem não à compra do moderníssimo avião Sukhoi Su-35, um dos três finalistas da disputa com o Mirage 2000-5Br, da Dassault (empresa francesa que tem 20% da Embraer), e com o anglo-sueco Gripen JAS-29. Em estilo mineiríssimo, o vice José Alencar selou a morte anunciada da concorrência para a compra de novos jatos supersônicos para a Força Aérea Brasileira (FAB). “O governo não tem pressa, pode esperar até três anos pelo desenvolvimento de novas tecnologias. Se comprarmos os caças agora, teremos de esperar algum tempo até que sejam entregues. E aí corremos o risco de receber aviões já defasados”, afirmou ele. Frase que serviu de recado do governo brasileiro aos interessados na venda de caças. Em visita à Rússia em outubro passado, Alencar foi à fábrica do Sukhoi, avião que classificou como “muito bom”, mas admitiu que o Brasil iria esperar um pouco mais pela aquisição.

Se o adiamento da compra parecer um lance de craque, ele pode ser um chute na trave. Primeiro porque só comprar aviões não resolve a transferência de alta tecnologia, como vem acontecendo com os franceses na Embraer. “Além da parceria estratégica, seria difícil para o Brasil recomeçar toda a cooperação que tem há anos com a França”, afirmou uma fonte do governo francês. Depois, sem aviões, o País ficaria sem defesa de seu espaço aéreo de Brasília. Os Mirage III de Anápolis serão desativados em 2005. A FAB já apresentou três opções de jatos modernos para substituí-los até a chegada dos novos caças – algo que poderá durar de cinco a oito anos. Uma das opções seria usar os F-5 da FAB, que passam por reforma na Embraer. Mas o favorito do governo é o sul-africano Cheetah (US$ 200 milhões o lote), uma reconstrução radical do Mirage III feita pela África do Sul. A segunda opção seria um esquadrão de 30 F-16 da Força Aérea da Holanda.