Maria Martins entrou para a história como uma das maiores expressões do surrealismo no Brasil. Seu importante legado mereceu, com justiça, sala exclusiva na megaexposição feita no Rio de Janeiro pelo Centro Cultural Banco do Brasil, ao lado de artistas como Salvador Dalí e Pablo Picasso. Os mais interessantes capítulos de sua história, porém, talvez não sejam as obras de arte, e sim a agitada vida social. Casada com o embaixador Carlos Martins, ela foi amante dos artistas Marcel Duchamp e Piet Mondrian. Revolucionou tanto que a sociedade brasileira a rejeitava. A trajetória está na biografia Maria (Editora Gryphus, 190 págs., R$ 39), que a jornalista carioca Ana Arruda Callado – viúva do escritor Antônio Callado – acaba de lançar no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, onde também foi inaugurada uma miniexposição da escultora, trazendo obras como o bronze Impossível (1945).

De todos os amantes, o francês Duchamp foi o mais duradouro. Maria o conheceu por intermédio de Peggy Guggenheim, que liderava um animadíssimo grupo de artistas em Nova York. “Toda mulher, em Paris, quer dormir com ele”, comentou Peggy. O romance começou em 1943 e surpreendeu os amigos de Duchamp, por ele ser um homem de muitas mulheres e poucos amores. Quando o embaixador Carlos Martins foi transferido de Washington para Paris, Maria ainda permaneceu alguns meses com o amante em Nova York, mas nunca pensou em deixar o marido. A história continuaria pelo correio. “De fato, nós dois temos uma necessidade de amor físico e esse longo parêntesis de castidade não fez mais do que afiar uma nova lâmina de tesoura”, dizia sobre a ausência do amante. Duchamp só se convenceu do fim da relação em 1966, após a morte de Carlos Martins.

Apesar de Ana Callado ter recebido da editora uma cuidadosa pesquisa, escrever a biografia não foi fácil. Da pequena cidade mineira de Campanha da Princesa, Maria sumiu com os vestígios que pudessem confirmar seu nascimento em 1894, filha do futuro ministro João Luiz Alves, da Justiça. Para todos os efeitos, ela era de 1900. Euclydes da Cunha, autor de Os sertões, testemunhou seu registro de nascimento, como se abrisse o caminho para a fama. A biógrafa a descreve como uma mulher adorável, refinadíssima e, ao mesmo tempo, grosseira e desaforada. “Sabia ser o que desejava. Gostava de manipular as pessoas e fascinava os homens”, acrescenta Ana. Maria foi educada no tradicional Colégio Sion, em Petrópolis. Pouco se sabe de sua vida até os dez anos do primeiro casamento, em 1915, com o administrador dos correios Octavio Tarquínio de Souza.

Com informações desencontradas, foi difícil levantar onde ficava a fronteira entre Octavio e Carlos Martins, explicada afinal por uma inesperada viagem do pai de Maria à Europa. “Ele foi pedir ao amigo Martins – na época servindo na Inglaterra – para vir a Paris. Descobrira um affair da filha com o ditador Benito Mussolini. Ela adorava o poder”, lembra a jornalista. Maria encantava-se também pelo belo, critério que permeava suas preferências familiares, elegendo a filha Nora, em detrimento da mais nova, Ana Maria. Esta última posou para Oitavo véu, uma de suas esculturas mais famosas, mas não mereceu dar título à obra. Em 1943, a artista despontou no cenário internacional das artes na exposição dupla Maria: New sculptures and Mondrian: New paitings, na Valentine Gallery, em Nova York.

A influência de Maria foi fundamental na fundação do Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio de Janeiro e da Bienal de São Paulo. Foi graças à sua amizade com Pablo Picasso que Guernica saiu pela primeira vez de Nova York para participar da segunda bienal. Sua amizade com Yves Saint Laurent rendeu um episódio à parte. Quando os netos Philippe e Miguel voltavam do colégio interno, em Londres, encontraram na porta da casa da avó o Rolls-Royce prateado com vidros fumê dos Beatles. Paul McCartney mandara buscar na casa de Maria o vestido que o costureiro francês fez para seu casamento com Linda. “Era o auge dos Beatles. Estava com 11 anos, entrei no carro e toquei na cítara de George Harrison. Nunca ninguém acreditou nessa história”, diverte-se Philippe, hoje com 48 anos. O mais engraçado é que Maria não tinha idéia de quem eram os Beatles. As informações sobre seus últimos dias são desencontradas. Pelo que se sabe, ela morreu em março de 1973, aos 78 anos, de insuficiência cardíaca. Mas existem os que falam em alcoolismo ou, então, depressão. Nem Heloisa Lustosa, que ofereceu o MAM para o velório da ilustre brasileira, a conheceu. Maria já não saía mais de casa.

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