Figura polêmica da literatura espanhola, o escritor e filósofo Miguel de Unamuno (1864-1936) trafegou à margem de toda a crítica de seu tempo, tanto da esquerda como da direita, sem se deixar afetar pelas patrulhas, com a arrogância de quem se reconhecia acima dessas emoções tinhosas do comum dos mortais. Na tumultuada virada do século XIX para o XX, ele escancarava com força e crueza as paixões e o desespero de seus conterrâneos, tolhidos moral e filosoficamente pelas rédeas férreas da Igreja Católica. O livro Abel Sánchez – uma história de paixão (Record, 219 págs., R$ 34,90) é um grande exemplo da habilidade do autor no manejo das emoções de uma sociedade que vive das aparências e dos dogmas.

Para ajudar a desfrutar ainda mais a leitura, a obra chega ao leitor brasileiro com tradução primorosa de Luis Carlos Cabral e Eric Nepomuceno – coisa sabidamente difícil em se tratando não do idioma praticado na América espanhola, mas da versão castiça da Espanha. Tudo, na verdade, contribui para que se deguste com o máximo prazer essa história que envolve dois amigos de infância, um médico e um pintor, em uma trama em que a inveja é o vetor de toda a ação, e o orgulho a cor de fundo de suas vidas e de seus filhos.