Na semana em que se celebrou o Dia Mundial  de Luta Contra a Aids, na quarta-feira 1º, a comunidade científica festejou o sucesso de uma experiência brasileira. Um consórcio formado por pesquisadores do Brasil e da França permitiu a criação de uma vacina terapêutica, ou seja, um produto capaz de combater o HIV, o vírus causador da síndrome. É um trabalho em fase inicial, mas seus resultados são animadores. “Não há nada parecido no mundo. A diferença desta vacina para as outras é que ela trata. As outras são preventivas”, afirma o médico Luiz Cláudio Arraes, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), um dos coordenadores do estudo, que foi divulgado na versão online da revista científica Nature Medicine.

Vacina é um termo usado para designar, em geral, uma preparação que impede a invasão das células por um microrganismo pela ativação do sistema  de defesa do organismo. É basicamente voltada para prevenção. Mas a novidade  da UFPE também vem sendo chamada de vacina porque ajudou os soldados do corpo a responder à ação do vírus, sem curar. “Depois de algum tempo após a infecção, o sistema imunológico fica incapaz de ativar as células que matariam o HIV. A vacina fez com que ele acordasse e orientasse o ataque sobre os vírus”, explica.

Os especialistas avaliaram 18 voluntários soropositivos e sem tratamento.A primeira aplicação da vacina terapêutica foi feita em janeiro de 2003.
Ao todo, foram administradas três doses. Durante períodos regulares,  os pacientes foram monitorados. Oito deles ficaram com a carga viral
praticamente indetectável. Os demais tiveram uma redução de 80%. Passados quase dois anos, os voluntários continuam sem tomar medicamentos. Em fevereiro, a UFPE, com apoio de cientistas da Universidade de Paris 5, deve iniciar a fase dois da pesquisa, com mais 20 pacientes. A etapa estudará a ação de diferentes dosagens. A terceira fase envolverá outros centros.

Para o infectologista Ricardo Diaz, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a alternativa é interessante. “O controle da replicação do vírus depende do uso de remédios e da imunidade do paciente”, diz. Frequentemente, há falhas na defesa e o sistema imunológico pode “esquecer” ou afrouxar a vigilância. “A estratégia fortaleceu as células e o controle melhorou. Ela pode ser uma boa alternativa se for adotada em conjunto com medicação”, pondera Diaz. Na opinião do infectologista Mauro Schechter, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o resultado é muito preliminar. “O trabalho é, na verdade, um tratamento. Por ser positivo, é animador, mas o que ele representará só o tempo dirá”, argumenta.

No Brasil, há dois trabalhos com vacinas preventivas. A fase um do estudo conduzido pelo Projeto Praça Onze, no Rio – parte de um programa multicêntrico para verificar a segurança da vacina chamada Alvac –, foi encerrada há cerca de um mês. A pesquisa contou com 40 voluntários saudáveis. De acordo com Schechter, coordenador-geral do projeto, em breve será apresentado mais um protocolo de pesquisa. Outro estudo avalia a vacina batizada como MRKAd5, que está sendo testada em 60 pessoas e envolve a UFRJ, a Unifesp e o Centro de Referência e Treinamento em DST/Aids, em São Paulo. A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), do Rio, conduz pesquisas para decifrar os subtipos do HIV, informação que facilitaria o desenvolvimento de vacinas. No mundo, há cerca de 30 estudos em 19 países, de acordo com a Iniciativa Internacional de Vacina contra Aids.

Epidemia – Também na semana passada foi divulgado pelo Ministério da Saúde o boletim epidemiológico Aids 2004. O documento revela que a taxa de incidência da doença – que totaliza 362.364 registros desde 1980 – cresce no País, exceto no Sudeste (entre 1998 e 2003, a proporção de casos por grupo de 100 mil habitantes baixou de 29,4 para 24,3). Nas demais regiões houve aumento nesse índice, sendo a Norte a que sofreu a maior alta (elevação de 46% no período). Destaca-se ainda a tendência de crescimento da incidência sobre a população negra e parda. Mas os brancos representam a maior parte dos registros (51,35% contra 33,44% do grupo negro e pardo). Outros números que chamam a atenção: aumento do porcentual de casos entre os homens heterossexuais (de 30% para 42% de 1998 para 2004) e avanço da doença sobre as mulheres com mais de 30 anos. Na capital paulista, a Secretaria Municipal de Saúde divulgou um boletim que confirma a queda na taxa de incidência verificada no Sudeste. Em 2002, registraram-se 31 casos para cada 100 mil habitantes. Em 2003, foram 25.

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