O presidente Luiz Inácio Lula da Silva passou a semana embalado por uma triunfal coleção de números econômicos. O Produto Interno Bruto (PIB) arrematou um crescimento acumulado de 5,3% de janeiro até setembro de 2004 em relação ao mesmo período do ano passado. É o melhor resultado dos últimos oito anos. A expansão ficará em, no mínimo, 5%, apesar do aumento dos juros – que deve fazer a economia paralisar neste último trimestre. E não é só. Depois de uma revisão, o IBGE concluiu que em 2003 não houve queda de 0,2% da atividade econômica, e sim um crescimento de 0,5%, eliminando a marca negativa da administração de Lula. O presidente também comemorou a taxa de investimentos em máquinas, equipamentos e construção civil: em comparação ao terceiro trimestre de 2003, o aumento foi de 20,1%, quase o dobro do registrado no último ciclo de expansão econômica, entre 2000 e 2001. Não foi à toa que o maestro Lula passou a semana cantarolando “Deixa a vida me levar”, de Zeca Pagodinho, e celebrando o bom desempenho da orquestra. “Somos como A Quinta Sinfonia de Beethoven. Compomos com o Palocci (ministro da Fazenda) e com o País e estamos afinados”, disse o presidente na segunda-feira 29, durante um encontro com prefeitos do PT. Dentro do partido, o resultado reprimiu os acordes dissonantes com a administração de Antônio Palocci e colocou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso no córner.

As boas notas da economia ecoaram nos sensíveis tímpanos políticos que vinham cobrando resultados mais concretos da orquestra econômica de Lula. “Esse PIB ajuda, facilita o diálogo nos partidos da base e desanuvia o ambiente político”, prevê o líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros (AL), que não economiza ensaios para abortar  a convenção do PMDB, convocada para o próximo dia 12 com uma pauta estridente: romper ou não com o governo. Acredita-se que o PIB exuberante não se repetirá em 2005, a menos que o Banco Central inicie a queda dos juros logo no início do ano. A expectativa é de um crescimento em torno de 3,5%. Resultados melhores dependem de fatores incertos, como, por exemplo, o preço do petróleo. Na última semana, o produto trouxe boas-novas, com queda de mais de 12% nas cotações.

Muitas reuniões já foram realizadas entre os que fazem coro para romper e os que são surdos à toada do afastamento. A única certeza existente é a de que, havendo a convenção do PMDB, o Planalto perde. Os convencionais dos maiores Estados do País dão maioria aos rebeldes. “O governo tem que investir tudo para fazer a coalizão com o PMDB e isolar as viúvas de FHC”, recomenda o ex-líder petista da Câmara, Nelson Pelegrino, referindo-se ao trio de oposicionistas Michel Temer, Eliseu Padilha e Geddel Vieira Lima. O problema nesse campo é que o governo não vinha agindo de forma efetiva. Um exemplo são as nomeações de segundo e terceiro escalões. No Ministério da Previdência, o PMDB se queixa de que setores estratégicos ainda são controlados por um braço petista do movimento sindical, a Associação Nacional dos Fiscais da Previdência (Anfip). A ala governista também pressiona pela prometida liberação de verbas do Orçamento e aguarda notícias de Lula sobre o novo ministério para o PMDB.

Esta mesma banda, comandada pelos líderes do partido, ministros e o presidente do Senado, José Sarney (AP), começou a recolher assinaturas para reunir a Executiva no meio desta semana e votar o adiamento da convenção. Pelas contas dos governistas, ela será adiada pela maioria dos membros da direção do partido. O presidente Michel Temer, que abraçou a idéia do rompimento, diz que o encontro será mantido. “Não aguento mais ouvir chamarem o PMDB de fisiológico. Ou entro para, história como o presidente que rompeu com isso ou como aquele que tentou”, desabafa Temer. O condicional do deputado tem motivos: quatro votos que computa como favoráveis ao rompimento são tidos como “conversáveis”. O senador Ramez Tebet (MT), que tem uma velha briga com o governador Zeca do PT, já assinou com 18 senadores uma nota na qual considera a convenção “inoportuna e incoerente”.

Outros três votos contabilizados pela oposição já andaram ”conversando” com os governistas. Um deles, o do ex-deputado Renato Vianna (SC), pode ser decisivo. No meio da semana, o PT catarinense anunciou que romperia a aliança com o governo peemedebista na Assembléia Estadual. O obscuro secretário da Pesca, José Fritsch (PT-SC), resolveu turvar ainda mais a maré. “A aliança do PMDB de Santa Catarina não rende um voto nas votações na Câmara”, diz Fritsch, esquecido de que é um alto funcionário do mesmo governo que quer atrair o PMDB. A fritada catarinense não chegou a inviabilizar as conversas. Depois da interferência de Lula e da presidência do PT, os petistas do Estado votaram a favor do governador Luís Henrique na Assembléia. “Como um diretório regional poderia comprometer a política nacional? Quem está resistindo?”, indagou o presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT).

A resistência não é local, e sim nacional. Vem até das bases do PT que reagem à coalizão. Isso ficou cristalino na votação da Medida Provisória que deu status de ministro ao presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. A infidelidade nunca foi tão alta no PT. A bancada rachou ao meio no debate interno e, no plenário, a dissidência aumentou: 28 petistas votaram contra Lula e dez se ausentaram, enquanto sete se resignaram a um apoio constrangido, com declaração de voto. Até o PMDB, proporcionalmente, foi mais fiel ao Planalto. A coalizão sonhada pelo governo deixa o PT mais nervoso e 2005 se coloca como a ante-sala da sucessão de 2006, escoadouro de todas as ambições e disputas partidárias. A esperança do Planalto é de que os números favoráveis da economia acomodem os contrários.