Escrever um diário faz parte do universo de adolescentes de diferentes gerações, mas a idéia jamais havia passado pela cabeça de Natasha, Britney, Milena, Yasmin, Vitória e Diana. Os nomes exóticos, que remetem a celebridades, foram escolhidos por seis garotas brasileiras marcadas pela experiência de usar o próprio corpo para ganhar dinheiro e espantar a miséria. Além de casa e comida, elas sonham com os mesmos bens de consumo das adolescentes que freqüentam os shoppings das grandes cidades. Durante um ano, com o acompanhamento contínuo da jornalista Eliane Trindade, essas garotas fizeram um registro diário de suas vidas, desejos e frustrações. As confidências, reunidas no livro de estréia de Eliane, As meninas da esquina (Editora Record, 416 págs, R$ 44,90), retratam de forma inusitada e sensível uma realidade que assombra o País.

Dos 5.551 municípios brasileiros, pelo menos 937 convivem com a exploração sexual de crianças e adolescentes. Por trás da estatística oficial, há meninas
como Vitória, órfã de pai, sete irmãos, que começou vendendo flores na rua, enquanto a mãe trabalhava como doméstica. “Essa história de vender rosas
foi que me levou para a prostituição”, lembrou, em setembro de 2003. “Era
mais rápido. Podia brincar.” Em As meninas da esquina, Vitória não aparece
com sua verdadeira identidade. A estratégia, adotada para proteger o elo mais
frágil da rede de exploração sexual, não atrapalha em nada o mergulho do leitor
no mundo de cada uma das meninas.

Como observadora privilegiada de um drama social, Eliane, que é editora de ISTOÉGente, selecionou as seis personagens entre adolescentes que tentam
mudar sua trajetória, com o apoio de organizações não-governamentais de diferentes regiões do País. Elas tinham entre 14 e 20 anos quando começaram
a registrar seus diários. Metade já era mãe. Das seis, quatro gravaram os depoimentos, por não terem traquejo com a escrita. Para todas, programa é sinônimo de dinheiro, não de prazer. “Não me sinto à vontade em dar meu
corpo para qualquer homem que pague”, resumiu Diana, em abril de 2004.
“Mas o dinheiro me deixa alegre.” Depois de apresentar suas meninas, Eliane
traça no último capítulo, “Anotações”, uma série contundente de reflexões sobre
o tema. Ao dissecar os diários, interliga, sem lugares-comuns, exploração sexual
e exclusão social.