Dos olhos da vistosa professora de religião escorrem lágrimas à medida que ela alcança as notas mais difíceis de um canto sacro. Aos cochichos, as adolescentes Amalia (María Alche) e Josefina (Julieta Zylberberg) debocham do suposto êxtase da mestra. Para a primeira, ela respira mal e não oxigena o cérebro. Já a segunda argumenta que seu sofrimento é decorrente da relação lúbrica com o amante. Na próxima hora e meia de A menina santa (La niña santa, Argentina/Espanha/Holanda/Itália, 2004), em cartaz em São Paulo na sexta-feira 12, religião, ciência e sexo vão tecer uma trama complexa que, no entanto, nunca exclui o interesse do espectador.

Como no filme anterior, O pântano, a argentina Lucrecia Martel arma uma trama escorregadia. A história passa-se num hotel de águas de Salta, norte da Argentina, onde acontece um congresso de otorrinolaringologia. Entre uma conferência e outra, Dr. Jano (Carlos Belloso) tenta seduzir a garota Amalia, que vem a ser a filha da dona do lugar, Helena (Mercedes Morán). Tomada pela idéia da vocação, Amalia vê como missão salvar o médico da luxúria. Saltando de um personagem a outro, o filme descortina a estranheza – e o mistério – do cotidiano. Em meio ao clima de erotismo e culpa, um homem nu cai do andar superior e sai andando como por milagre. Uma cena que fica entre a banalidade e o misticismo. Não é à toa que a argentina de 38 anos é vista como uma das grandes revelações do cinema atual.