No povoado de Sítio Novo, em Pirenópolis, Goiás, o lavrador Francisco Camargo era um dos poucos a possuir um rádio. Para sintonizar qualquer emissora, principalmente as que tocavam músicas de seus ídolos Tonico e Tinoco, era necessário subir no telhado e ficar girando a antena até pegar algum som. Seu Francisco repetia para a mulher, Helena, que algum dia seus filhos fariam sucesso cantando no rádio. O casal teve dez filhos, entre eles Mirosmar e Welson, hoje conhecidos como Zezé di Camargo & Luciano, dupla que vendeu 22 milhões de discos em 15 anos de carreira e tornou-se próxima do presidente da República, para quem fez campanha. O filme 2 filhos de Francisco (Brasil, 2005), que estréia em todo o País na sexta-feira 19, conta essa história, marca a estréia na direção de Breno Silveira, da Conspiração Filmes, e traz a “chancela” de Caetano Veloso, co-autor com Zezé, da trilha sonora.

Silveira se apaixonou de cara pelo roteiro escrito por Patrícia Andrade e Carolina Kotscho – filha de Ricardo Kotscho, ex-assessor do presidente – mesmo sendo carioca de carteirinha, daqueles que ignoravam duplas caipiras. Isso porque a história real é inacreditável. Mirosmar começou a cantar aos seis anos ao lado do irmão Emival, que morreria em um acidente de carro. Em São Paulo, já como Zezé di Camargo, tinha composições gravadas, dois discos lançados e nada acontecia. Quando descobriu que Welson, 11 anos mais novo, resolveu cantar, chamou-o para fazer uma dupla. Enquanto compunha para o disco de estréia dos dois, teve a visão: o que mantinha aquela família unida era o amor. É o amor, o primeiro disco, vendeu um milhão de cópias.

Convite – No filme, a música surge na voz de Maria Bethânia. O irmão Caetano
já tinha ouvido falar dessa história através de Cristiane Lavigne, que trabalha na Conspiração. Mais tarde seria chamado pela produtora e ex-mulher Paula Lavigne, que Caetano chama de “irmã de Cristiane”, para assistir a um copião. O
convite de Zezé viria em seguida e os dois incluíram, entre outras, Calix bento,
com Ney Matogrosso – e Caetano ao piano –, Tristeza do Jeca, com Bethânia e Caetano, e Luar do sertão, com Zezé di Camargo & Luciano e Chitãozinho & Xororó, entre outras. Sem falar do carro-chefe, Como vai você, com a voz de Antonio Marcos acrescida à da dupla.

Chama a atenção a semelhança entre o elenco e os personagens reais, o que vale tanto para Ângelo Antônio e Dira Paes nos papéis de Francisco e Helena como para Márcio Kieling e Thiago Mendonça, como Zezé e Luciano adultos. Segundo Luciano, que teve participação essencial no filme, servindo de ponte entre a produção e a família, desde o início do projeto ficou decidido que a dupla não participaria. Para escalar quem faria os artistas ainda meninos, Silveira e Luciano fizeram testes com garotos da região de Pirenópolis. No filme, ouvem-se as vozes verdadeiras de Dablio Moreira (Mirosmar/Zezé), Marcos Henrique (Emival) e Wigor Lima (Welson/Luciano). Lima Duarte, no papel de Benedito, sogro de Francisco, e José Dumont, no de Miranda, o primeiro empresário de Mirosmar e Emival, foram escolhas de primeira hora – “uma honraria”, segundo Luciano.

Para Zezé, o filme servirá como atrativo para aqueles que ignoram seu trabalho, caso de Breno Silveira há três anos. “Duvido que quem assistir vá se livrar de nós”, garante. Caetano vai mais longe. Segundo ele, a produção esmerada e a história bem-contada cristalizam a tendência cada vez mais nítida de “desbregamento” da música sertaneja. Cinéfilo de varar a noite vendo DVDs, Luciano afirma que o cinema brasileiro precisa de heróis. “Na nossa história, eles são de carne e osso, sangram e suam.” Seu Francisco e dona Helena jamais imaginaram que o primeiro filme que assistiriam em suas vidas seria sobre eles mesmos.