A mais longa e cara telenovela
nacional está no ar há oito anos.
Não tem data certa para terminar nem grande audiência. Apesar disso, vai afetar 170 milhões de brasileiros, ou seja, os 98% da população com aparelho de tevê em casa. A trama envolve o modelo de transmissão digital para tevê a ser adotado pelo Brasil e estreou em fevereiro de 1998, quando a Agência Nacional de Telecomunicações começou seus estudos. A aposta mais otimista para o epílogo é que apenas brasileiros com maior acesso a tecnologias de ponta vão assistir à Copa do Mundo de 2006 em televisores digitais ou adaptados para receber sinal digital. Não há previsão de quando o sistema estará disponível em todo o País.

Há dois anos, representantes do governo federal e pesquisadores estão
reunidos em 22 grupos de estudos, encarregados de elaborar o modelo que
melhor se adapte às peculiaridades econômicas, sociais e geográficas do País.
São, no total, 550 profissionais, que levam em conta as tecnologias existentes em outros países. Eles têm até dezembro para entregar o parecer final. Para os estudos, o governo já investiu R$ 38,9 milhões e outros R$ 26,1 milhões estão previstos para os próximos meses.

Originalmente, o projeto do governo era criar um padrão próprio de televisão digital em vez de adotar modelos estrangeiros. O ministro das Comunicações, Hélio Costa, disse que o Brasil precisa adaptar os três ou quatro modelos que estão sendo desenvolvidos no mundo a sua própria realidade. “Não vamos gastar recursos em tecnologia que já existe”, afirmou ele. Diferentes sistemas digitais funcionam nos Estados Unidos, em oito países europeus, no Japão, na Coréia e na China. “O Brasil deve participar como agente ativo nesse processo. Sendo competente só terá a contribuir”, ressalta Augusto César Gadelha, coordenador do grupo gestor do Sistema Brasileiro de Televisão Digital (SBTD), criado para conduzir o processo de digitalização da tevê aberta brasileira.

Conversor de sinais – “Faremos um mix de tecnologias. Testes demonstram que a modulação (a forma de transmissão dos sinais) dos sistemas japonês e europeu é mais moderna e robusta do que nos Estados Unidos, o que evita interferências”, explica Gadelha. Num país de dimensões continentais como o Brasil, esse aspecto é primordial. “A propagação do sinal deve levar em conta a nossa geografia. Temos televisores em residências na floresta, em favelas e no litoral”, diz Luis Geraldo Pedroso Meloni, pesquisador da Unicamp, que participa de um programa para viabilizar a interatividade no ensino a distância. O aluno poderá fazer perguntas e ouvir a resposta do professor em tempo real usando o controle remoto e um teclado adaptado à tevê.

O maior desafio do programa é promover a inclusão social, já que os meios de comunicação integrados à internet podem ser instrumentos eficientes para educar e informar os 98% da população que já possuem um televisor em casa. Pode-se perguntar: é o computador que está se transformando numa tevê ou a tevê que está virando um computador? No Brasil, em que apenas 9% das residências têm computador, pode-se apostar na segunda hipótese. “Estamos assistindo à convergência tecnológica das telecomunicações, da tecnologia da informação e dos meios de comunicação social”, explica Meloni.

O próximo capítulo da telenovela deverá incluir um termo novo ao vocabulário nacional: set top box. É este, por enquanto, o nome do aparelho que servirá como conversor do sinal digital para o analógico no televisor antigo. Será pequeno e portátil, semelhante ao aparelho utilizado para acessar os canais a cabo de uma tevê paga. A idéia é que existam set top boxes com diferentes aplicativos e preços. Os 90% da população brasileira que assiste apenas à televisão aberta (gratuita), provavelmente irá adquirir o aparelho básico.

A vantagem é que estes consumidores terão acesso a um número maior de canais, imagens mais definidas, como a do DVD, e som de melhor qualidade, como o do CD. Os fabricantes acreditam que o produto não pode custar mais do que R$ 200, sob o risco de não vender. O projeto do governo é criar um sistema que torne o set top box um produto tão popular quanto o celular. E isso num prazo de uma década.

Sem fantasmas – Consumidores de maior poder aquisitivo poderão adquirir set top boxes mais sofisticados, com maior número de aplicativos, possibilidades de downloads e gravação de áudio e vídeo no próprio aparelho a partir do controle remoto. Há ainda os televisores digitais, que já estão no mercado, por cerca de R$ 12 mil, e dispensam o set top box, pois vêm com o decodificador embutido. Permitem imagens de alta definição e trazem o cinema para dentro de casa.

“A digitalização é um caminho sem volta. Depois do televisor colorido, a tevê aberta evoluiu pouco. Com a digitalização, já é possível dar adeus à tevê com fantasmas, sombras e ruídos”, diz Marcelo Knörich Zuffo, coordenador de um dos grupos do SBTD. Uma virada similar à chegada dos filmes falados no cinema, quando atores e atrizes com sotaques carregados ou timbres de voz estridentes ficaram fora das telas. A falta de sintonia dos antigos ídolos foi magistralmente retratada no musical americano Cantando na chuva, no qual os atores Gene Kelly e Jean Hagen fazem o papel do casal mais famoso de Hollywood no final dos anos 20, quando o cinema mudo começou a ficar obsoleto. Com a sonorização, a dupla entra em apuros, pois a personagem de Jean Hagen, Lina Lamont, tem uma voz horrível. Acaba cedendo espaço para a atriz estreante Kathy Selden, interpretada por Debbie Reynolds. As novas tecnologias também fazem vítimas. No caso da tevê digital, os chuviscos são os primeiros excluídos.