chamada.jpg
DE VOLTA
Depois do exílio no Chile, Serra retornou à UNE, em
1979, para abrir o 31° congresso da entidade, na Bahia

selo.jpg

Logo após o golpe da madrugada de 1º abril de 1964, a União Nacional dos Estudantes (UNE) foi posta na alça de mira dos militares que tomaram o poder. Os generais enxergavam na entidade um braço político do governo João Goulart. E avançaram com virulência sobre os universitários. A UNE era presidida por José Serra, então com 22 anos e hoje candidato do PSDB à Presidência da República. Ele cursava o último ano da Escola Politécnica da USP e, assim como os outros nove diretores, passou a ser caçado pelos quatro cantos do País. Acreditavam os golpistas que a UNE recebia ajuda financeira da União Soviética. “Era pura mistificação. As verbas da UNE eram verbas oficiais, e o relator do Orçamento era, inclusive, um deputado da UDN e amigo do general Castello Branco”, nega Serra. Mas, numa das primeiras ações repressivas da ditadura, a sede da UNE na Praia do Flamengo, no Rio de Janeiro, foi invadida em busca do “ouro de Moscou”. Só encontraram um cofre enferrujado, coberto pela bandeira de Cuba. Mas o ódio à UNE era tão grande que atearam fogo ao prédio histórico.

Ação popular – Depois de dirigir a União Estadual dos Estudantes em São Paulo, Serra foi eleito presidente da UNE em julho de 1963, para um mandato de um ano, num clima de turbulência política. Metade da chapa encabeçada pelo atual tucano era composta pela Ação Popular (AP), organização que nasceu nos movimentos católicos e da qual Serra fazia parte. A outra fatia pertencia a militantes do Partido Comunista Brasileiro (PCB), o Partidão. A esquerda estava unida, reforçando a tendência das eleições de Aldo Arantes em 1961 e Vinícius Caldeira Brant em 1962. O hoje senador Marco Maciel (DEM-PE) chegou a se lançar em uma chapa alternativa pela direita em 1963, mas desistiu diante do amplo favoritismo de Serra, que foi consagrado com a chapa única. “Na época da UNE, eu já tinha o hábito de não dormir e conversava com todos, por isso, fui eleito”, disse Serra na quinta-feira 1º.

img.jpg

Na gestão compartilhada pela AP e pelo PCB, o então vice-presidente de Assuntos Nacionais, Marcelo Cerqueira (advogado e candidato ao Senado pelo PPS-RJ) conta que as decisões eram tomadas na forma de colegiado. Serra era hábil para lidar com as duas correntes políticas e chamava para si as principais decisões. Tinha, segundo Cerqueira, uma característica especial: “Ele era extremamente cioso com os gastos. Não admitia que nenhum diretor usasse táxi.” O vice-presidente de Assuntos Internacionais era o gaúcho Carlos Albano Castilho, hoje com 68 anos e professor universitário. Ele lembra que Serra se envolvia com todos os temas da entidade. “Queria decidir tudo. Mas sempre foi muito prático e objetivo e estava o tempo inteiro preocupado com a situação nacional, logo não se interessava muito pela minha área”, diz.

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail

Secretário-geral da UNE à época, o professor Lauro Morhy conta que a diretoria eleita em 1963 “trabalhava pesado” na reforma universitária, mas também tinha simpatia pelas demais reformas anunciadas pelo governo Jango. Segundo Morhy, que se considera um socialista independente, Jango chamou a diretoria da UNE, no início de março de 1964, para uma conversa no Palácio da Alvorada, em Brasília. Ao lado do líder do PTB, Bocayuva (Baby) Cunha, e do chefe da Casa Civil, Darcy Ribeiro, o presidente pediu o apoio da UNE às reformas de base. Ouviu de Serra que a entidade era a favor das mudanças, com ênfase na reforma universitária e na reforma agrária. Mas não iria se atrelar ao governo. “Na prática, a gente confundiu a defesa da UNE com as reformas de base. Mas tínhamos uma linha de ação independente”, conta Morhy, que foi reitor da UnB entre 1997 e 2005. “A UNE era temida e bajulada. E me lembro do Serra liderando aquele processo. Muito combativo e destemido”, afirma a psicóloga Nazaré Pedroza, que era tesoureira e a primeira mulher a participar da direção da entidade. “Os militares achavam que fazíamos parte de um esquema internacional de dominação do Brasil”, completa Morhy.

img1.jpg

Comício da Central – Embora tenha se negado a atrelar a UNE, Serra participou do famoso comício da Central do Brasil, em 13 de março, que serviu como estopim para o golpe militar. Com o aval da diretoria, Serra fez um discurso de apoio às reformas de base e com o que entrou de vez para a lista negra dos militares de direita. Morhy conta que quando os estudantes viram “o mar de cabeças” no comício, ao lado do Ministério da Guerra, a sensação geral foi: “Não tem quem derrube um movimento desses. Vamos fazer uma revolução no Brasil.” Diante da movimentação nos meios militares, a UNE emitiu uma nota oficial no dia 30 de março, assinada por Serra, para “reafirmar seu inteiro apoio às últimas medidas progressistas do governo” e “denunciar a trama golpista”. Um dia depois, o general Olímpio Mourão Filho adiantou-se aos conspiradores e pôs suas tropas em movimento de Minas Gerais para o Rio de Janeiro, dando início ao golpe militar.

Na manhã do dia 1º de abril, Serra e Cerqueira se dirigiram à sede do Departamento de Correios e Telégrafos (DCT), no Paço Imperial, na Praça XV, no Rio. Lá encontraram o coronel Dagoberto Rodrigues, diretor-geral do órgão, brizolista roxo, que tentava organizar a resistência das forças legalistas. De repente, os tanques que defendiam o prédio voltaram seus canhões na direção do gabinete de Rodrigues. Diante da mudança do vento, o coronel recomendou que os dirigentes da UNE se retirassem imediatamente. E pediu a Serra que guardasse uma joia que ele comprara para dar de presente. Temia que os militares golpistas o acusassem de corrupção. Com a joia no bolso, Serra foi dormir na casa do deputado Tenório Cavalcanti, temível político de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, que andava de capa preta e com uma inseparável metralhadora, batizada de Lurdinha. Entregou a joia a uma assessora de Tenório. A joia nunca mais foi vista.

img2.jpg

Longe do País – Dias depois do golpe, Serra caiu na clandestinidade. Considerado “muito perigoso” pelos generais, refugiou-se na embaixada na Bolívia, onde ficou três meses. Depois partiu para o exílio. Tentou voltar em 1965, mas, numa reunião na casa da atriz Beatriz Segall, foi aconselhado a deixar o País. Já a tesoureira Nazaré Pedroza, hoje com 72 anos, não conseguiu escapar dos militares. Viveu clandestinamente por sete anos sob o codinome de Nara Leão, mas acabou presa em Brasília, grávida de quatro meses. Torturada por três meses, sofreu um exílio de 13 anos na África. Morhy conseguiu sobreviver semiclandestino no interior de São Paulo. E Serra só voltou ao Brasil em 1978. Um de seus primeiros atos públicos, ao retornar, foi fazer um discurso na UNE. Em respeito ao seu ex-presidente, a atual direção da UNE, atrelada ao PCdoB e simpática à candidatura de Dilma Rousseff, tomou a decisão de se manter imparcial na eleição para a Presidência. Afinal, como diz o slogan, “a UNE somos nós, nossa força é nossa voz”.


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias